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Biblioteca da Fera | Resenha de A Bela e a Fera, por Gabrielle de Villeneuve

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Villeneuve. O nome do vilarejo francês onde se passa a história de A Bela e a Fera (2017) foi revelado na versão com atores lançada recentemente. Apesar de ser uma vila fictícia, seu nome não foi escolhido aleatoriamente. Além de significar ‘nova cidade’ (em tradução livre), é também o sobrenome da autora francesa que escreveu a versão mais conhecida do conto, Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve.

Gabrielle nasceu em uma família protestante em La Rochelle, na França, em 1695. Em 1706, se casou com o aristocrata Jean-Baptiste Gaalon de Villeneuve. Porém, em 1711, seu marido faleceu. Logo, todo o dinheiro da família acabou e ela buscou ajuda em Paris.

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Por volta de 1730, Villeneuve conheceu o famoso dramaturgo Prosper Jolyot de Crébillon e com ele morou até falecer, em 1755. Ela auxiliava Crébillon em seu trabalho e, com isso, ganhou grande conhecimento sobre a literatura parisiense.

Durante seu tempo no mundo literário, a autora publicou romances e coletâneas de contos de fadas. Em uma das coleções, lançada em 1740 e intitulada La Jeune Américaine et les contes marins, está seu conto mais famoso: A Bela e a Fera.

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A edição que tenho em mãos é a versão em inglês da editora Harper Collins, que, mais uma vez, fez um lindo trabalho editorial em sua publicação. Assim como em Peter Pan, sobre o qual já falamos aqui na coluna, chamaram MinaLima para ilustrar a edição e o resultado ficou maravilhoso!

Além da capa dura adornada com letras em dourado, há diversas ilustrações delicadas e materiais avulsos que nos ajudam a mergulhar ainda mais no conto de fadas. É uma edição para enfeitar ainda mais qualquer prateleira. Caso, porém, você não domine o inglês ou não faça questão de uma edição de luxo, não se preocupe. A história também foi publicada no Brasil pela editora Zahar.

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O livro conta a história da jovem Bela, a filha de um mercador, que é enviada ao castelo de uma horrenda Fera para ser punida no lugar de seu pai. Ela logo percebe que o castelo está cheio de criaturas mágicas e cômodos misteriosos e passa seus dias explorando o lugar.

Com o passar do tempo, ela se afeiçoa cada vez mais por seu anfitrião que, surpreendentemente, a trata com cordialidade e espera ter seu sentimento correspondido. Mas quem seria capaz de amar um monstro? Apesar da história ser extremamente familiar para a maioria de nós, fãs da animação, os passados dos personagens principais são muito mais explorados no romance original. Na realidade, mais da metade do livro é dedicada ao tema.

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Se ainda não sabe se deve ou não ler a obra, eu digo: a leitura vale muito a pena. Além de ser relativamente rápida, sua linguagem rebuscada de outrora nos encanta e sentimos como se estivéssemos em tempos antigos ouvindo o conto misterioso pela primeira vez. Há tantas surpresas ao longo do caminho, que, de fato, é como se estivéssemos o fazendo.

Séculos depois, em 1991, foi a vez da roteirista Linda Woolverton e do compositor Howard Ashman colocarem as mãos na história e adicionarem sua própria dose de magia. As diferenças entre as duas versões são imensas, e é sobre elas que iremos falar a seguir. Por isso, cuidado com os spoilers!

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Vamos começar tirando Gaston de cena. Não existe real vilão na história de Villeneuve. Há, porém, uma família muito maior para Bela: cinco irmãs e seis irmãos. Seu pai, em vez de ser um inventor, é um bem-sucedido comerciante que aos poucos vai à falência. Ao partir em uma jornada que parece ser a solução para seus problemas financeiros, ele pergunta o que suas filhas querem que ele traga em seu retorno. Todas pedem jóias e vestidos caros, enquanto Bela pede uma singela rosa.

A missão é um fracasso e o mercador chega ao castelo da Fera perdido e desolado. Não há Lumière, Horloge ou qualquer outro objeto animado para recebê-lo, mas todo o castelo é encantado e recebe o homem hospitaleiramente. Ao partir, ele vê rosas no jardim do castelo e decide colher uma para sua filha. A Fera, então, surge e, ferozmente, repreende o mercador. O monstro ordena que o comerciante mande uma de suas filhas ao seu encontro, para passar o resto de seus dias em sua companhia. Ela deve vir e aceitar ficar voluntariamente, o que Bela o faz.

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Contrariando nossas expectativas, Bela não é tratada com hostilidade em momento algum. Ao chegar ao castelo, é recebida com decorações riquíssimas e festividade. Não há, porém, sinal da Fera ou de qualquer outras pessoas no lugar. Bela, com certez,a é uma personagem muito mais solitária e introspectiva nessa versão. Alguns animais como macacos e pássaros a fazem companhia e a entretém, mas sua maior distração é explorar os cômodos do imenso castelo. A propósito, há, sim, uma bela biblioteca e a moça fica encantada, passando horas lendo.

Diferentemente da animação, o mestre do castelo não passa seus dias se aproximando da jovem. A Fera aparece somente durante o jantar, momento que se torna muito aguardado por Bela, que, cada vez, gosta mais de conversar com a criatura. Ao fim de cada refeição, Fera a pede em casamento, e ela sempre o recusa. Ele, então, educadamente, a deixa em paz e sozinha até a noite seguinte. Instantes depois, em seus sonhos, a jovem vê um belo rapaz. Eles conversam todas as noites, como se estivessem em uma dimensão paralela e ela logo se apaixona por ele sem saber sua real identidade.

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Para nós, é claro, é fácil perceber que aquele é o monstro em sua forma humana. Essa é uma das maiores diferenças entre as duas versões. Bela não precisa ver através da Fera, ela claramente vê suas duas metades e sente um carinho distinto por cada uma. O tempo passa, e Bela pede para ver sua família. Já amando-a verdadeiramente, Fera a deixa ir utilizando seu anel mágico como meio. Mas não a liberta totalmente como esperamos, ele pede que Bela volte em dois meses ou morrerá.

Por mais exagerado que isso possa parecer, é exatamente isso que acontece. As irmãs de Bela a invejam assim que a veem. Ela deveria estar morta, mas está mais bonita e bem vestida do que nunca. Elas a pressionam para estender sua estadia e, quando a moça percebe seu erro, é tarde demais. Quando Bela retorna, a Fera está caída, em seus últimos suspiros.

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Não há batalhas épicas no telhado ou valsas em um belo salão. Em seu lugar temos uma singela realização de Bela que percebe que aprendeu a amar Fera, e mais do que isso, tem gratidão por tudo que ele a proporcionou no castelo. Nesse momento temos que nos lembrar que o conto foi escrito em outra época, precisamos entender os sentimentos de Bela e aceitá-los. Deixamos de lado, por um instante, o fato de que nada justificaria o monstro tirar sua liberdade, ou o desfecho da história não irá funcionar.

Acreditando ser o certo a se fazer, e mesmo estando apaixonada por quem acredita ser outro homem, o de seus sonhos, ela aceita se casar com o monstro. O que deveria ser o fim da história, é apenas a metade. A partir de agora o livro se dedica a contar o passado de cada personagem e somos surpreendidos por uma trama de fundo bem costurada e totalmente diferente do que conhecemos.

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Toda a aventura, desde o fato do mercador ir parar no castelo da Fera até o casamento dos dois, não passou do plano de uma fada que queria ajudar uma rainha. Tal rainha é, na verdade, mãe do príncipe enfeitiçado. O rei havia morrido há muito tempo. Quando o reino entrou em guerra, a rainha achou melhor entregar seu filho aos cuidados de uma fada. Anos se passam, o garoto cresce, e a tal fada se apaixona por ele. Ela o pede em casamento, mas ele a recusa prontamente o que a deixa com raiva e faz com que o amaldiçoe.

A autora realmente se preocupou em dar um lado humano para a Fera, isentando-a de qualquer culpa pelo o que aconteceu. Enquanto Disney nos deu um príncipe mesquinho fútil, digno de seu castigo, o conto nos apresenta um jovem, em uma posição frágil, sendo abusado psicologicamente por uma mulher que considerava sua segunda mãe e sendo punido por não obedecê-la. É impossível não terminar o livro sentindo pena do personagem.

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Bela quebrou o feitiço com seus nobres sentimentos, mas isso não é o bastante para poder se casar com o príncipe. Pelo menos não o suficiente para a rainha, que não aceita ver seu filho se casar com uma simples camponesa. Temos, então, o mais belo gesto vindo do rapaz: ele pede para se tornar um monstro novamente, pois prefere viver com Bela em sua maldição do que se casar com outra em nobreza.

Felizmente, as surpresas da trama ainda não acabaram. É, então, revelado pela fada que Bela também é uma princesa. Na realidade, ela é o fruto do amor proibido de um rei humano e uma fada. Por sua origem proibida, foi castigada com a maldição de se casar com um monstro horrível.

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Acho que não preciso explicar muito como isso se encaixou perfeitamente com o destino do pobre príncipe. Sua tia, também fada, trocou Bela ainda bebê pela filha morta de um mercador e assim a moça pôde crescer em paz e amada. Bela é sempre mostrada como gentil e resiliente no conto.

Ela tem muito da Cinderela que conhecemos dos desenhos Disney, pois sempre se mantém otimista e sua personalidade forte é mostrada através de sua coragem e de sempre fazer o certo. Woolverton acertou em cheio ao torná-la uma leitora voraz na animação, pois a curiosidade da jovem está todo o tempo presente em sua versão original. Ao ler o conto, percebemos que a roteirista deve muito à fonte clássica.

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O conto de fadas de 1740 completa tudo o que conhecemos e amamos sobre a trama e os personagens de 1991 e 2017. Não é o tipo de livro que terminamos pensando “Nossa, como é diferente!”, mas “Ah, então, é por isso que fizeram daquele jeito no desenho.

E vocês, Camundongos, já conheciam o conto original? O que acharam das mudanças? Alguma parte favorita? Não deixem de comentar nos contando!

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Escrito por Caroline

Designer Gráfico, Disney freak, viciada em café, quer ser roteirista e princesa quando crescer. Têm mais livros do que deveria e leu mais vezes “Orgulho e Preconceito” do que têm coragem de admitir.