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A Outra Ponta do Lápis | Floyd Norman

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Passam-se décadas, séculos, e a história continua se repetindo. Infelizmente, isso significa que alguns problemas levam mais do que deveriam para se resolver. O racismo ainda está presente em nosso cotidiano e a discussão se mantém relevante.

Por isso, na coluna desse mês, iremos falar sobre um artista pouco conhecido entre os fãs, mas de extrema importância para os estúdios Disney: Floyd Norman. Ele foi o primeiro artista negro contratado pelos estúdios, em 1956.

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Floyd E. Norman nasceu no dia 22 de Junho de 1935, na cidade de Santa Barbara, na Califórnia. Sua família havia acabado de se mudar para lá do Mississipi, após sua tia ter ido primeiro para o estado.

A vida de Norman foi muito tranquila. Os conflitos raciais da época eram mais presentes no sul dos Estados Unidos. Sendo assim, ele cresceu quase ignorante a essas lutas, se focando apenas em ser um bom artista.

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Descobriu sua paixão pela animação quando a mãe o levou ao cinema para assistir Dumbo (1941). Tempo depois, em uma viagem com os pais, ele viu os portões dos estúdios Disney, em Burbank, e decidiu que era lá que iria, um dia, trabalhar.

Apoiado por sua avó, Floyd sempre estudou muito para se tornar um grande artista. Ele ainda estava no ensino médio quando começou a trabalhar em uma série de quadrinhos chamada Archie.

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Após terminar a escola, ele cursou Ilustração na Art Center College, na cidade de Pasadena. Ao terminar o curso, foi contratado pelos estúdios Disney, em 1956. E, como todo animador, começou seu aprendizado auxiliando os outros animadores. Seu primeiro trabalho foi em A Bela Adormecida (1959).

Naquela época, trabalhar para os estúdios Disney era simplesmente mágico. O lugar estava cheio de mentes criativas já que os Nove Anciões estavam em sua época de ouro.

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“Ter trabalhado lado a lado com Walt Disney deve ser a coisa mais grandiosa que aconteceu em toda minha vida.”

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Além disso, o próprio Walt participava de todo o processo de produção e fazia questão de proporcionar um bom ambiente de trabalho. Ele pensava em cada detalhe, como construir túneis ligando os prédios para que a animação original em papel não se molhasse ou algo assim.

Como já mencionado, Floyd nunca pensou em si como sendo diferente por ser negro. Para ele, foi uma sensação estranha perceber que alguns animadores o tratavam diferente. Foi então que um veterano, Ward Kimball, começou a se posicionar e o defendeu.

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Norman aprendeu muito com os animadores veteranos, mesmo não sendo muito fácil, pois eles não eram pacientes. Ele também se tornou um grande contador de histórias, pois precisava agradar o próprio Walt.

Os gastos com a produção de A Bela Adormecida foram enormes. Após a animação ser concluída, os estúdios decidiram que precisavam cortar gastos e demitiram vários profissionais. Felizmente, Floyd ficou.

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Roy até mesmo tentou fazer Walt desistir do mundo das animações. Porém, decidiram tentar mais uma vez com 101 Dálmatas (1961), uma produção mais barata e não tão refinada, graças ao uso da xerox para reproduzir os desenhos em acetato.

Durante a produção do filme, Floyd foi convocado pelo exército para servir e, assim, partiu para guerra. E como um artista sobrevive nesse período traumático? Desenhando, claro. Quando retornou, voltou aos estúdios para terminar 101 Dálmatas, trabalhando em seguida em A Espada Era a Lei (1963) e Mary Poppins (1964).

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Ele, então, começou a chamar a atenção da equipe, e de Walt, ao desenhar piadas e charges do dia a dia do estádio. Disney viu esses desenhos, quando andava à noite pelos estúdios vazios, e convidou Norman para trabalhar como artista de storyboard em Mogli – O Menino Lobo (1967).

Mogli se tornou o filme favorito de Floyd, mas não por um bom motivo. O artista tem carinho por essa animação, pois foi a última na qual Walt participou. Ele faleceu em seguida, deixando toda sua equipe e amigos devastados e perdidos.

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Norman decidiu, após dez anos, em 1966, deixar os estúdios Disney. Ele continuou trabalhando no mundo da animação, em obras famosas como Os Smurfs, Alvin e os Esquilos, Capitão Caverna, Scooby Doo, Os Flintstones entre outros.

O início foi bem difícil, pois apesar dos estúdios pagarem mais do que a Disney, o trabalho não era constante. Felizmente tudo começou a dar certo, pois Hanna Barbera estava crescendo, e lá ficou como artista de storyboard.

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Fez parceria com o animador Leo Sullivan e. juntos, fundaram, sobre um café, os estúdios Vignette Films. A empresa produziu seis animações e foi uma das primeiras a tratar de temas como a história dos negros dos Estados Unidos.

Registraram momentos importantes na luta por direitos civis iguais e algumas de suas filmagens foram compradas por grandes redes de televisão e vistas por milhares de pessoas.

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Foi nesse período que ele se casou pela primeira vez e teve filhos. Ele continuava produzindo, mas a família nunca sabia no que Floyd estava trabalhando até ver o produto pronto. Ele se separou amigavelmente anos depois, e se casou com Adrienne, com quem permanece até hoje.

No entanto, Norman nunca verdadeiramente deixou a Disney. Continuou indo aos estúdios com sua esposa, já que ela trabalhava no departamento de publicação e não demorou muito para ser recontratado.

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Floyd foi chamado para ser roteirista e desenhista de gibis do selo Disney. Ele aceitou, desde que depois pudesse voltar para o mundo da animação. E, assim, passou anos desenhando o Mickey.

Após mudar de departamento, não demorou muito para o Pixar Animation Studios puxá-lo. O estúdio ainda era muito pequeno, nem ao menos pertencia à Disney, e eles sabiam que precisavam de um bom contador de histórias para fazer tudo funcionar.

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Norman aceitou bem a transição de animação tradicional para a computação gráfica. Nos anos 1990, ele trabalhou em grandes produções como O Corcunda de Notre Dame (1996), Mulan (1998) e Monstros S.A. (2001).

Ele também diz gostar das readaptações com atores, e apoiou o trabalho de Jon Fravou no recentemente lançado Mogli – O Menino Lobo (2016). Está ansioso para ver o resultado de A Bela e a Fera (16 de Março de 2017), mas alega ainda preferir um filme com um roteiro excelente do que uma amostra sem fim de efeitos visuais.

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“Acho que, provavelmente, não há época melhor para se fazer filmes do que os dias de hoje. Tudo é possível.”

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Floyd foi obrigado a se aposentar dos estúdios Disney nos anos 2000, com sessenta e cinco anos, o que o arrasou. Ninguém sabe ao certo o motivo, mas ele acredita que tenha sido sua idade avançada.

Ele viu toda a evolução dos estúdios! Desde o início com Walt até o mundo digital da Pixar com John Lasseter. Era sua casa. Como poderia parar? Bem, ele não parou.

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Todo o dia, ele levava sua esposa, que ainda trabalhava no departamento de publicação de livros Disney, até seu trabalho. Lá, ele ficava andando pelos corredores dando dicas aos novatos e visitando profissionais que conhece. E ele conhece tudo e todos. Logo, foi contratado novamente.

Ele recebeu diversos prêmios. Dentre eles, um Winsor McCay, em 2002. E em 2008 foi nomeado, por Roy E. Disney, Disney Legend, a maior honra da casa. Hoje, ele continua na ativa como sempre. Recebe pedidos de comissões Disney todo o tempo.

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Floyd também mantém um blog ativo, no qual reconta lembranças preciosas dos bastidores Disney de antigamente, e expõe suas opiniões ácidas a respeito do novo modelo de funcionamento dos estúdios através de sátiras.

Gostaria de conhecê-lo? Então, prepare sua ida a próxima San Diego Comic-Con. Ele adora o evento e está sempre presente para dar palestra e desenhar diante novos artistas amadores.

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Ou pode ler um de seus livros contando suas experiências no mundo da animação: Faster! Cheaper!: The Flip Side to the Art of Animation; Son of Faster, Cheaper!: A Sharp Look Inside the Animation Business; How the Grinch Stole Disney; Disk Drive: Animated Humor in the Digital Age; e Suspended Animation: The Art Form That Refuses To Die.

Se quiserem ainda mais detalhes sobre a vida do artista, assistam a Floyd Norman: An Animated Life, lançado esse ano. O documentário conta a vida do animador e apresenta depoimentos do próprio e de amigos. Ele foi dirigido por Michael Fiore e Erik Sharkey. Atualmente, está disponível na Netflix e no site oficial.

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“É uma sensação boa. É bom saber que o trabalho que fizemos há décadas ainda tem o poder de entreter e emocionar pessoas nos dias de hoje.”

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Racismo é um problema presente em todo o mundo. E, nos Estados Unidos, não é diferente. O país é marcado por vários líderes negros que lutaram por direitos civis como Martin Luther King. Por isso, a contratação de Floyd foi um marco.

Ele não se considerava especial, era só um artista como tantos outros apenas querendo trabalhar para Walt. Um roteirista que queria fazer Disney rir. E, sem querer, abriu um caminho novo.

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Escrito por Caroline

Designer Gráfico, Disney freak, viciada em café, quer ser roteirista e princesa quando crescer. Têm mais livros do que deveria e leu mais vezes “Orgulho e Preconceito” do que têm coragem de admitir.