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A Outra Ponta do Lápis | Ward Kimball

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Bem-vindos mais uma vez à coluna A Outra Ponta do Lápis, Camundongos! Desta vez, conheceremos melhor um animador que ganhou todos ao seu redor com suas piadas constantes, personalidade alegre e personagens diferentes. Hoje, falaremos sobre o animador veterano, parte dos Nove Anciões, Ward Kimball.

A lista de trabalhos de Ward é imensa. Entre 1935 e 1980, ele participou da produção de cerca de cinquenta filmes e curtas. Entre seus personagens mais marcantes estão o Grilo Falante de Pinóquio (1940), os corvos de Dumbo (1941), Peco de Tempo de Melodia (1948), os ratinhos de Cinderela (1950) e vários personagens de Alice no País das Maravilhas (1951), como o Chapeleiro Maluco.

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“Leia, observe, analise. E, acima de tudo, seja flexível. Mantenha sua mente aberta. O mundo está sempre mudando rapidamente. Não fique encurralado. Mantenha a mente aberta e se divirta. Acredite em mim, vale a pena.”

Ward Kimball

Ward Walrath Kimball nasceu em Minnesota, nos Estados Unidos, no dia 04 de Março de 1914. Sua vontade de seguir carreira artística não veio de exemplos dentro de casa, já que seu pai era um comerciante mal sucedido e sua mãe uma dona de casa comum. A família se mudou diversas vezes e constantemente enfrentava problemas financeiros, criando um ambiente instável.

Devido a essa instabilidade e dificuldades financeiras, quando Kimball era apenas uma criança de sete anos, foi enviado para morar com uma parente. Durante o ano no qual viveu com a avó, ele descobriu sua paixão por desenhos. Ele entrou pela primeira vez em contato com jornais e suas coloridas páginas cheias de quadrinhos e tirinhas.

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Aos dez anos de idade, ele se mudou com a família para o estado da Califórnia, onde passou o resto de sua vida. Apesar de nunca ter criado raízes em lugar algum, o jovem Ward estava sempre cercado de amigos. Ele era muito extrovertido e comunicativo, gostava de entreter e fazer rir a todos. Logo encontrou na arte um modo de escapar de sua família desajustada.

Mesmo pequeno, ele atraiu atenção para sua arte ganhando competições. Tudo bem, o prêmio era apenas uma barra de chocolate dada por sua professora. Mas o que importa é que desde criança ele já demonstrava sua vontade de aprender e sua dedicação em praticar.

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Ward continuou treinando e, após a escola, ganhou uma bolsa de estudos da Santa Bárbara School of Art. No entanto, a notícia que deveria ser motivo de alegria em sua vida trouxe, inicialmente, muita confusão. Ele foi expulso de casa pelo pai e só pôde voltar após muito tempo, e muita conversa. Aos poucos, ele fez o pai entender que o ramo da arte é tão importante quanto os cursos tradicionais.

Como a grande maioria dos artistas que buscavam formação acadêmica na época, ele se preparou e estudou para ser um cartunista ou artista tradicional. No entanto, em 1933, ele assistiu a um curta Disney e se encantou com a arte. Tempo depois, sua mãe o levou até Los Angeles, onde Ward levou seu portfólio cheio de caricaturas e o mostrou aos estúdios Disney. E assim, no dia 02 de Abril de 1934, Kimball foi contratado e começou a trabalhar nos estúdios Disney.

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Apesar de sua entrada na companhia ter sido fácil, suas primeiras experiências não foram nada boas. Ele começou como intervalador, como quase todos os animadores fazem. Seu trabalho consistia principalmente em desenhar os inúmeros quadros entre os desenhos principais, feitos pelos animadores principais.

Além de achar o trabalho entediante, Ward não se dava bem com o chefe de seu departamento, George Drake. Os dois implicavam um com o outro constantemente e a situação só melhorou quando Kimball foi escolhido para ser o assistente de outro artista, Ham Luske.

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Após se tornar assistente de Ham, o treinamento de Ward verdadeiramente começou. Luske era um excelente mentor, sempre disposto a ensinar os princípios da animação para os novo aprendizes. Dele, Ward recebia pequenas tarefas para realizar, como animar curtas sequências.

Ele começou a trabalhar como animador pleno em 1946, animando um gafanhoto violinista em Woodland Café. Ward pôde usar todo o seu exagero caricato no personagem e descobriu que não bastava ser um bom artista para se animar bem. Para transmitir veracidade em seu trabalho, um bom animador precisa ser ator, analisar cuidadosamente a movimentação de personagens e praticar sempre.

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“Ham me deu muita responsabilidade, e é assim que se aprende. (…) Ele me disse que não se pode fazer uma caricatura sem antes analisar e desenhar o objeto real, o personagem real.”

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Fora dos estúdios, o animador era conhecido por sua personalidade engraçada e espontânea. Além do costume de pregar peças. Seu círculo ode amigos incluiam Fred Moore, um dos principais animadores de Mickey Mouse, e ninguém mais, ninguém menos do que o próprio Walt.

Tanto Disney como Kimball, dividiam uma paixão: amar trens. Ward, Walt e Ollie Johnston eram grandes colecionadores de modelos de locomotivas. Na verdade, o animador auxiliou na construção da ferrovia de Disneyland. Por isso, em 2005, uma das locomotivas do parque ganhou seu nome.

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Outra faceta de Ward era seu lado musical, ele tocava trombone. O animador participou e fundou um grupo de jazz chamado Firehouse Five Plus Two. Entre 1940 e 1970, banda gravou cerca de treze discos e realizou várias apresentações.

Desde que a música não atrapalhasse o trabalho do animador no estúdio, Walt não se importava. De fato, vário animadores veteranos também eram músicos. Assista, no vídeo abaixo, Ward participando de um programa de televisão da época e falando mais sobre ele mesmo.

Entrevista de Ward Kimball:

Assim como Walt Disney, Ward se apaixonou, e se casou, por uma das artes finalistas e coloristas do estúdio, Betty Lawyer. Os profissionais dos dois departamentos eram proibidos de se relacionarem, mas isso se tornou inevitável, após trabalharem juntos por tantas horas extras, durante a produção de Branca de Neve e os Sete Anões (1937).

Grande parte do trabalho feito por Kimball para Branca de Neve jamais foi visto nos cinemas, pois ele animou na cena na qual os anões cantam e tomam a sopa feita por Branca. A sequência musical foi cortada da versão final do filme, mesmo estando totalmente animada. Ward considerou se demitir, estava extremamente desapontado com o esforço desperdiçado. Mas Walt convenceu o amigo a ficar.

Sequência da Sopa:

Após seu turbulento primeiro trabalho, Ward recebeu a tarefa mais importante de sua carreira, devido à importância do personagem: ele foi responsável por ser o animador supervisor de o Grilo Falante, em Pinóquio. O Grilo é um dos elementos mais importantes do filme e uma das figuras mais icônicas já feita pelos estúdios.

A primeira etapa de sua missão era finalizar o design do personagem. E não foi nada fácil. Ward não poderia usar um traço tão caricato quanto fez com seu gafanhoto violinista. Mas também não poderia ser muito realista, pois um grilo real não é nada atraente. Na verdade, em muito se assemelha a uma barata.

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Walt nunca achava que o personagem estava fofo o suficiente. E às vezes, achava que estava fofo demais. Após várias alternativas, o Grilo Falante se tornou um personagem que muito mais se assemelha a um homem do que realmente um inseto. Inclusive, atores reais gravaram cenas para serem usadas como referência na movimentação do personagem.

O animador Frank Thomas gostava de dizer que o Grilo foi o trabalho mais sincero de Kimball, pois o personagem é pouco caricato e atuava com sutileza. Ward, no entanto, não gostou muito de animar a consciência de Pinóquio. Ele dizia que não aguentava mais desenhar as formas ovais do personagem.

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“Eu tive muitos problemas com o Grilo. Normalmente um artista faz a caricatura de um personagem aprendendo a desenhá-lo corretamente (…). Mas com um inseto, você está encrencado, pois insetos são muito feios e nada atraentes. Um grilo parece uma mistura entre uma barata e um gafanhoto.”

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Em seguida veio Fantasia (1940), no qual Ward animou o deus Baco, na sequência Pastoral Symphony. Um trabalho novamente caricato e que não chamou muita atenção. Depois veio a produção de Dumbo, um dos favoritos do animador.

Ele animou o grupo de corvos que ajudou Dumbo a voar, famosos pela canção “When I See an Elephant Fly“. Kimball teve muita liberdade para animar e dar personalidades diferentes aos personagens. O resultado é uma cena divertida e clássica. Como não ficar com a música na cabeça?

When I See an Elephant Fly“:

Durante a Segunda Guerra Mundial, os estúdios Disney reduziram sua produção e Kimball teve a chance de tentar coisas diferentes na área, exercitando suas caricaturas como no curta Education for Death (1943). Ele também trabalhou nos filmes baseados na cultura latina Alô, Amigos (1942) e Você Já Foi à Bahia? (1944), no qual se divertiu animando o número musical de abertura.

Kimball então trabalhou em Música, Maestro! (1946), animando uma baleia cantora de ópera e o segmento Pedro e o Lobo; em Como é Bom se Divertir (1947), animando novamente o Grilo Falante; em Tempo de Melodia (1948), ficou responsável por Pecos Bill; e, por fim, veio As Aventuras de Ichabod e Sr. Sapo (1949).

Abertura de Você Já Foi à Bahia?

Após anos trabalhando em produções menores, em 1950, os estúdios Disney levaram outro clássico para as telas dos cinemas: Cinderela. Ward teve a tarefa de animar cenas com os ratinhos Jacques e Tatá, e o gato Lúcifer. Eles eram uns dos personagens mais caricatos de toda a produção, principalmente quando comparados com outros, como Cinderela, sua Madrasta ou o Príncipe. As emoções dos personagens eram passadas apenas através de sua movimentação, pois praticamente não possuíam falas. O animador Andreas Deja compara o trabalho de Ward nesse longa com a atuação genial de Charles Chaplin.

Após Cinderela veio Alice no País das Maravilhas, onde Ward pode realmente soltar toda sua criatividade e imaginação. Os personagens desse filmes não possuem limites, são excêntricos e as regras do mundo real não se aplicam a eles. Ele animou os gêmeos Tweedledee e Teedledum, o Chapeleiro Maluco, a Morsa e, um pouco, o Mestre Gato. Ele se divertiu como nunca durante a produção do longa, e animou suas cenas quase sozinho. Seu conforto com os personagens resultou em momentos marcantes como o Chapeleiro tomando chá.

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Peter Pan (1953) trouxe de volta a maneira sutil e mais realista de se animar. Com isso, Kimball voltou a se sentir deslocado. Ele animou o chefe da tribo indígena e alguns meninos perdidos. Ele também trabalhou um pouco em A Bela Adormecida (1959) e em A Dama e o Vagbundo (1955). No entanto, no último, seus trabalho foi descartado por não se adequar ao resto da produção.

Entediado pelo novo método contido de se animar, Ward começou a se aventurar dirigindo curtas musicais. Em 1953, ele recebeu um Oscar® por Toot, Whistle, Plunk and Boom; em 1968, ele dirigiu o controverso e independente curta Escalation; e, em 1969, voltou a recebeu um Oscar®, dessa vez pelo curta animado It’s Tough to be a Bird, que você pode conferir no vídeo abaixo.

It’s Tough to Be a Bird:

https://youtu.be/2Q1k_NGgCv4

Foi também nessa época que Kimball se desentendeu com Walt, e quase foi mandado embora da empresa, sendo escalado para trabalhar em um dos programas de televisão que odiava, o Von Drakes. Ele se aposentou em Agosto de 1973.

No entanto, nunca realmente deixou a animação, e continuou sendo mentor de animadores iniciantes. Além de auxiliar na concepção de várias atrações dos parques temáticos. Após enfrentar complicações causadas por uma pneumonia, Ward faleceu em 08 de Julho de 2002, com 88 anos, em Los Angeles.

Family Album #1: 

“Ward Kimball é dos homens que trabalha para mim que considero um gênio.”

Walt Disney

A maioria dos animadores é admirada pela maneira realista que animam, como Milt Kahl e Marc Davis. Outros, são admirados por seu estudo de anatomia e naturalidade, como Glen Keane. Ward, no entanto, ficou conhecido por animar cenas cômicas.

Seus personagens eram excêntricos, exagerados e a criatividade do animador os tornavam reais. Ele se destacava por ter um estilo totalmente oposto ao dos outros grandes animadores do estúdio. Ele buscava novos desafios e nunca não se moldou totalmente aos moldes Disney.

Family Album #2:

Um dos animadores que segue seu modo de animar é Eric Goldberg, isso é facilmente visível em seu trabalho em Aladdin (1992), onde animou o Gênio da Lâmpada. Uma das similaridades entre os dois é o fato de seu modo exagerado não tirar a profundidade de seus personagens. O segredo era equilibrar os elementos da maneira certa. E apenas um grande animador consegue fazer isso.

E então, Camundongos, o que acham do trabalho de Kimball? Algum personagem favorito? No dois vídeos acima, podem ver Ward, agora mais velho, mostrando suas coleções e pequenos tesouros guardados em sua casa, como os desenhos iniciais de o Grilo Falante.

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Escrito por Caroline

Designer Gráfico, Disney freak, viciada em café, quer ser roteirista e princesa quando crescer. Têm mais livros do que deveria e leu mais vezes “Orgulho e Preconceito” do que têm coragem de admitir.