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A Outra Ponta do Lápis | Frank Thomas

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Frank Thomas é mais um animador que pertence ao grupo dos Nove Anciãos, artistas que se uniram a Walt Disney quando o estúdio tinha acabado de abrir e definiram os princípios da arte de animar que seguimos até hoje.

Junto com seu melhor amigo, e colega de trabalho, Ollie Johnston, Frank colaborou com o mundo da animação registrando técnicas e bastidores como nenhum outro. É hora de conhecer um pouco mais sobre esse grande artista que consegue transmitir emoção através de seus personagens como poucos

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“Eu comecei a desenhar porque Craig desenhava. Sempre pareceu natural desenhar. Nunca pensei muito a respeito.”

Frank Thomas

Franklin Thomas nasceu no dia 05 de Setembro de 1912, na cidade de Santa Monica na Califórnia, mas se mudou para Fresno ainda pequeno. Ele não era uma criança extrovertida e por isso acabou praticando diversas atividades individuais como ler e desenhar. Aliás, quem o inspirou a desenhar foi seu irmão mais velho, Craig, que também desenhava.

Desde criança, ele sempre possuiu o apoio da família para buscar uma formação acadêmica e apreciar arte graças ao pai que era educador. Depois do ensino médio, Frank cursou por dois anos a Fresno State College enquanto fazia cursos de verão na University Southern California e continuava desenvolvendo sua paixão por filmes.

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Percebendo a vocação do filho, seu pai concordou que assim que Frank terminasse o curso poderia escolher outro relacionado a arte. E assim, Thomas foi para a Stanford University onde estudou arte e conheceu outro futuro animador Disney, quem viria se provar um amigo para toda a vida: Ollie Johnston.

Em 1934, após terminar Stanford, Frank se mudou para Los Angeles onde continuou estudando arte no Chouinard Institute of Art. Ele pretendia se tornar um ilustrador, ou desenhista industrial, mas seu sonho parecia distante pois o artista superava diariamente o desafio de desenhar algo que julgasse bom. Isso mesmo, Frank não acreditava ser um bom artista e chegou a cursar aulas extras de desenho para tentar melhorar mas não via evolução.

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“Walt nos matriculou em aulas de artes, nos colocou para analisar movimentação, observar filmes antigos, estudar personagens e como produzir filmes.”

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Frank descobriu que sua dificuldade no desenho não era um problema tão grande quando animava, pois podia usar movimentação e outros recursos para demonstrar emoção. E, assim, seguiu vários amigos e foi trabalhar para o Walt Disney Studios em Setembro de 1934.

Para a sorte de Thomas, Walt Disney sempre quis a melhor equipe, sempre fez questão de proporcionar tudo necessário para tê-la. Uma das medidas que tomou foi oferecer aulas de desenhos para todos. após o trabalho, por sua conta.

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Assim como quase todos no estúdio, Thomas começou sua carreira como intervalador de outros animadores mais experientes. No entanto, conta-se que nem todos os artistas veteranos estavam dispostos a colaborar e ensinar, e desavenças começaram a surgir. Frank, por exemplo, foi quase despedido por estar sempre brigando com o supervisor George Drake. Foi salvo quando o influente animador Fred Moore o escalou como seu assistente.

Durante as aulas de desenho após o trabalho, Thomas realizou pencil tests – animações curtas feitas através de esboços que funcionam como testes de movimentação de personagens – tão bons, que chamou a atenção do diretor Ben Sharpesteen. Ben o tornou animador e os primeiros trabalhos de Frank foram em curtas como Mickey’s Circus (1936).

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“Eu senti que eles deviam se movimentar o menos possível. Estavam cheios de pesar e não iam fica saltitando por aí. (…) Olhos tristes, piscadas demoradas e algumas lágrimas era tudo o que precisávamos.”

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No entanto, sua real estreia foi no ano seguinte, em Branca de Neve e os Sete Anões (1937). A produção do filme possuía vários desafios a serem superados, pois era não somente o primeiro longa-metragem animado do estúdio, como também o primeiro a ter a pretensão de querer emocionar o público como um filme com atores reais.

Frank recebeu a tarefa de animar os personagens mais cartunescos e carismáticos da obra, os sete anões. Ele criou movimentos únicos para representar suas personalidades, incluindo o distinto andar de Dunga, mas brilhou realmente ao conseguir, através deles, comover a todos nas cena onde lamentam a morte de Branca de Neve. É nessa cena que temos a certeza do quanto Zangado ama a princesa pois é o único que chora compulsivamente.

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O animador era tão perfeccionista com o próprio trabalho que refez suas cenas diversas vezes na calada da noite. Tantas, que ao final da produção de Branca de Neve e os Sete Anões (1937) estava exausto e precisou ir ao hospital pois adoeceu de exaustão. E essa não seria a única vez.

Após o sucesso de Branca de Neve, Frank recebeu diversas outras tarefas e animou personagens bem diferentes. Entre seus trabalhos estão Pinóquio dançando “Não Há Cordões em Mim” em Pinóquio (1940); Bambi e Tambor esquiando no gelo em Bambi (1942); a Lady Tremaine em Cinderela (1950); a Rainha de Copas de Alice no País das Maravilhas (1951); Capitão Gancho em Peter Pan (1953).

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Outros de seus trabalhos incluem: Lady e Vagabundo comendo espaguete em A Dama e o Vagabundo (1955); Flora, Fauna e Primavera em A Bela Adormecida (1959); Pongo em 101 Dálmatas (1961); o duelo entre Madame Mim e Merlin em A Espada Era a Lei (1963); Balo e Mogli em Mogli – O Menino Lobo (1967); trabalhou também em Aristogatas (1970); Robin Hood (1973); Bernardo e Bianca (1977) e O Cão e a Raposa (1981).

Nas animações antigas, devido aos prazos, métodos de produção e falta de mão de obra, era comum diferentes animadores serem responsáveis por um mesmo personagem ou animar diferentes cenas com vários personagens ao longo do filme. Por exemplo, em Pinóquio, enquanto Milt animou a maior parte das cenas do boneco de madeira, Frank foi responsável por animar a cena na qual ele dança.

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“Até que um personagem se torne uma personalidade, não pode ser acreditado. Sem personalidade, o personagem pode até fazer coisas engraçadas e interessantes mas a menos que as pessoas possam se identificar com eles, suas ações serão vistas como irreais.”

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Após Pinóquio (1937), na década de 1940, veio a Segunda Guerra Mundial e alterou toda a dinâmica da indústria da animação. Walt Disney não fechou o estúdio, na verdade juntou artistas e montou o “El Group”, uma equipe que partiu em uma viagem pela América Latina com o intuito de juntar material para produzir os controversos filmes Alô, Amigos (1942) e Você Já Foi à Bahia? (1944). Frank Thomas chegou a participar da viagem, mas em 1942, decidiu se alistar na Força Aérea onde desenvolveu e dirigiu desenhos para a guerra. Em 1946 ele retornou para o Walt Disney Studios.

Os primeiros personagens animados por Frank após seu retorno foram todos vilões, e todos bem diferentes um do outro. A Madrasta de Cinderela (1950) exigiu um trabalho de atuação sutil por parte do animador para transparecer frieza e crueldade. Thomas utilizou como referência Eleanor Audler, a mesma atriz que serviria como modelo futuramente para a vilã Malévola.

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Para a Rainha de Copas, por sua vez, uma abordagem totalmente oposta foi feita. Ela é uma personagem caricata, exagerada e, em alguns momentos, cômica. Em seguida, veio Capitão Gancho, um desafio que resultou em uma mistura entre o caricato e o rebuscado. A equipe estava dividida em qual caminho deveria seguir mas quando o ator que deu sua voz para o personagem, Hans Conried, apareceu, Frank conseguiu balancear os dois lados e criar a mais icônica representação do pirata.

Mas a carreira de Frank não foi feita somente de vilões, ele animou uma das cenas mais românticas de todos os filmes Disney: a cena de Lady e Vagabundo comendo espaguete. Ele tentou utilizar cães reais como referência, mas logo fico claro que cachorros comendo macarrão não é uma cena muito bonita.

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“Frank trabalhava muito animando aqueles personagens e supervisionado os animadores sob seu comando. A pressão era muito intensa. Ele ia ao médico uma vez por semana . O estresse estava matando ele.”

Dale Oliver

Com movimentos mais gentis ele conseguiu dar ternura à cena e finalizou com chave de ouro fazendo Vagabundo dar a última almôndega para Lady. É fácil esquecer que os personagens são animais, o que vemos é um casal apaixonado.

Em A Bela Adormecida (1959). Frank pôde trabalhar com seu amigo Ollie Johnston animando juntos as fadas Fauna, Flora e Primavera. Ao fim dessa produção, Thomas mais uma vez parou no hospital devido ao estresse e ao longo período de trabalho árduo. Felizmente seus próximos trabalhos foram mais divertidos e menos estressantes.

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Frank animou uma de minhas cenas favoritas das animações Disney: o duelo entre Madame Mim e Merlin, em A Espada Era a Lei (1963). Os dois bruxos possuem personalidades muito diferentes e portanto se movimentam de maneira distinta. É impressionante que Thomas tenha conseguido manter um ritmo dinâmico e orgânico entre os dois além de ter explorado representar tais personagens na forma de diferentes animais.

Frank passou a vida tentando agradar Walt, mas não havia maior crítico de seu trabalho do que ele mesmo. Sua dificuldade no desenho pode ter sido a responsável por torná-lo o excelente animador que foi. Ele pensava e planejava cada personagem e como animá-lo com precisão para que sua movimentação compensasse sua suposta falta de talento. E não desistia até conseguir o resultado que imaginava em sua cabeça. Ele estava sempre disposto a se desafiar e aprender novas maneiras de transmitir emoção.

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“Observe tudo. Comunique-se bem. Desenhe, desenhe, desenhe.”

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Uma curiosidade, Frank fazia parte de um grupo de jazz composto por artistas dos estúdios Disney chamado Firehouse Five Plus Two. Ele tocava piano, e diz que ao observar a platéia, encontrou inspiração para vários de seus personagens.

No ano de 1978, após quarenta e cinco anos na empresa e de trabalhar em mais de quinze animações, Frank Thomas decidiu se aposentar e deixar o estúdio junto com seu amigo Ollie Johnston. Mesmo longe da prancheta, os dois não deixaram de fazer grandes contribuições ao mundo da animação.

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“Era por isso (a computação gráfica) que o Walt esperava. Queria ser jovem o bastante para experimentar.”

Frank Thomas

Escreveram diversos livros juntos, sendo o mais famoso deles a obra prima The Illusion of Life, lançado pela primeira vez em 1981. O trabalho editorial, o acabamento e o conteúdo deste livro o tornam uma verdadeira obra de arte, digna de ficar exposta no melhor lugar de sua estante.

O livro conta diversos bastidores das produções clássicas Disney e explica os princípios da animação minuciosamente, além de estar recheado de deslumbrantes imagens. Vale a pena lê-lo, mesmo que não queira se tornar um animador.

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Thomas e Johnston foram tema do documentário lançado em 1995, Frank and Ollie, dirigido pelo neto de Frank, Theodore Thomas. O documentário aborda o início da amizade entre eles e a carreira dos dois.

A última aparição de ambos foi no filme Os Incríveis (2004), onde fizeram uma participação especial emprestando suas vozes para suas versões digitais. Aliás, curiosamente, Frank foi um grande apoiador da transição da animação tradicional para a computação gráfica.

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“Ele era um gigante como artista e um homem gracioso e maravilhosamente talentoso.”

Theodore Thomas, filho de Frank Thomas

Em 2004, a saúde de Frank Thomas ficou muito debilitada devido a uma hemorragia cerebral. Ele morreu em sua casa três dias depois de seu nonagésimo segundo aniversário. Como homenagem, sua família pediu que doações fossem feitas em nome de Frank para o programa de animação de personagens da famosa CalArts (California Institute of the Arts), faculdade que recebeu diversos futuros animadores Disney.

Alguns animadores marcam pela maneira realista na qual animam. Outros pelo modo como conseguem nos fazer rir com a expressão de seus personagens. Frank merece ser lembrado como um artista que conquistou plateias pela sinceridade que transmitia através de seus personagens, mesmo os maus. Nenhum movimento é gratuito, nenhuma expressão, mero entretenimento. Ele e seus colega definiram o padrão de excelência da animação que até hoje todos do meio almejam alcançar.

Disney Family Album: Frank Thomas – Parte 1:

Disney Family Album: Frank Thomas – Parte 2:

https://youtu.be/mCdSB-JAGDk

Disney Family Album: Frank Thomas – Parte 3:

Pencil Test de Capitão Gancho:

Pencil Test de Mogli:

Alguém já era fã do trabalho de Thomas? Qual seu personagem favorito? A minha com certeza é a Madrasta de Cinderela. Fico encantada com o quão real ela parece ser. E meu coração se aquece com Vagabundo dando sua última almôndega para Lady.

Separei, acima, alguns vídeos com o trabalho de Frank para vocês, Camundongos. Incluindo um documentário de aproximadamente trinta minutos sobre os trabalhos do animador que vale a pena ser assistido, pois contém bastidores e depoimentos do artista.

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Escrito por Caroline

Designer Gráfico, Disney freak, viciada em café, quer ser roteirista e princesa quando crescer. Têm mais livros do que deveria e leu mais vezes “Orgulho e Preconceito” do que têm coragem de admitir.