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A Outra Ponta do Lápis | Chris Sanders

Nessa coluna, pude apresentar aos leitores diversos artistas espetaculares. Verdadeiros mestres com o lápis como Glen Keane e Andreas Deja. No entanto, nenhum me influenciou tanto quanto aquele de quem falarei nessa edição.

Ele não é apenas um bom desenhista, mas também um grande roteirista e artista de Storyboard impecável. E provavelmente te emocionou sem você nem ao menos saber de seu trabalho. Camundongos e camundongas, fico feliz em lhes apresentar: Chris Sanders.

“Os melhores artistas são escritores.”

Chris Sanders

Christopher Michael Sanders nasceu dia 12 de Março de 1962, em Colorado, nos Estados Unidos. Ele é o filho do meio entre três crianças, as quais sempre foram muito estimuladas e incentivadas a desenhar. Seu pai era um artista que, além de servir como exemplo por estar todo o tempo desenhando, gostava de reunir a família nas sextas a noite para que pudessem desenhar todos juntos.

Chris não apenas desenhava, como também gostava de escrever pequenos contos em uma máquina de escrever. Ele mostrava suas histórias para a família que sempre pedia por mais. Na adolescência, ele cursou o ensino médio no Arvana High School, onde trabalhava como cartunista. Mesmo rodeado por arte e artistas, Sanders nunca cogitou seriamente seguir essa carreira.

Acabou decidindo cursar o Instituto de Artes da Califórnia, a famosa CalArts, onde tantos grandes nomes já estudaram, após sua avó ler um artigo sobre a faculdade em um jornal. Ele conta que não faz ideia do que teria feito se sua vó não tivesse lhe mostrado tal artigo. Devemos muito a essa boa velhinha, não acham?

Ele se inscreveu no Programa de Animação da faculdade e lá ficou durante quatro anos. Aliás, foi apenas durante esse tempo que ele animou. Isso mesmo, Sanders não é um animador. Aliás, conta com bom humor que nem ao menos consegue fazer um personagem andando, e por isso admira muito os profissionais que dão vida a eles.

“Há limites para o que se pode fazer, mas não para o que se pode desenhar.”

Pai de Sanders

Após se formar, o Walt Disney Studios não estava contratando. Por isso, começou a trabalhar nas produções Marvel, onde aprimorou mais seu desenho. Na faculdade, ele não gostava de desenhar objetos ou cenários para praticar, preferia criaturas fantásticas. Mas, seu novo posto exigia que ele desenhasse mesas e outros objetos de diferentes ângulos.

Assim, ele acabou aprendendo a desenhar o que não gostava. Mais do que isso, ele aprendeu a ter disciplina. Não podia mais desenhar apenas quando queria, essa era sua nova forma de vida. Essa prática intensiva o preparou para os desafios que viriam a seguir: trabalhar em grandiosas animações.

Tempos depois, chegou aos estúdios Disney. Sua estreia nas telonas foi com Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus, em 1990, quando ainda era conhecido artisticamente como Christopher Sanders. Ele se encontrou no que chamamos de Story Artist, aquele que planeja a cena.

Imagine que, antes do processo de animação começar, cada desenho e movimento que vemos na tela precisa ser meticulosamente planejado. O mesmo processo ocorre nos filmes, no entanto, no mundo da animação não há atores ou atrizes que possam improvisar. Se se deseja que um personagem pisque, engula seco, lacrimeje ou gagueje, essa ação precisa estar no Storyboard.

Uma sequência ou cena é planejada, desenhada e apresentada ao diretor dezenas de vezes até que funcione da melhor maneira possível. Mesmo que centenas de esboços sejam feitos e que artistas percam noites de sono, as partes que não funcionam com certeza serão jogadas fora.

Em A Bela e a Fera (1991), Sanders era apenas um artista novato trabalhando entre gigantes. O filme já havia passado por diversas mudanças, a história foi completamente alterada e a produção estava atrasada. O filme não aguentaria ter, também, uma história mal contada.

Ele foi o responsável por planejar cenas importantes como a cena final, na qual Bela chega bem a tempo de salvar Fera e vê-la se transformar. É uma cena delicada, singela, com grande carga emocional. Mesmo sabendo que filmes Disney sempre têm finais felizes, precisávamos acreditar que Fera poderia morrer. O ritmo de Sanders somado à maestria de Glen Keane tornaram a cena emocionante.

Sanders se destaca por gostar de trabalhar em equipe, isso o torna o excelente profissional que é. Entende que toda decisão que se toma é para o bem da história e não importa se um personagem ficou bonito, ou se uma cena levou quinhentos desenhos para ser planejada, se não contribuir para contar a história e demonstrar as emoções do personagem, será descartada.

Após A Bela e a Fera (1991), Sanders também trabalhou como Story Artist em Aladdin, em 1992, e em O Rei Leão, em 1994. No último, ele participou do planejamento de diversas sequências mas se destacou por ter sido responsável por uma das cenas mais emocionantes do filme.

Os escritores e artistas não sabiam como resolver visualmente a cena na qual Mufasa aparece como espírito para seu filho Simba. Chris passou noites trabalhando e, no fim, conseguiu chegar à versão final que faz tantos adultos chorarem.

“Arte é comunicação.”

Chris Sanders

Em seguida ele trabalhou em Mulan (1998). Ele não apenas planejou o Storyboard, como também foi um dos roteiristas do longa. Após assistir aos filmes no qual Sanders trabalhou, torna-se perceptível seu toque e sensibilidade, e é disso do que Mulan é feito. De cenas simples mas profundas. De leves flores de cerejeira que flutuam em campos de batalha.

O traço pessoal de Chris Sanders é inconfundível: mulheres com curvas e quase sempre nuas, desenhadas cheias de terminações arredondadas, com peso em diferentes lugares e muitas vezes acompanhadas de uma criaturinha fofa.

“Trabalhar em uma história na qual todos acreditam, é suficiente.”

Chris Sanders

Geralmente, artistas precisam camuflar seu próprio estilo e emular os característicos traços Disney. Sanders teve uma oportunidade rara de ver seus traços servirem como inspiração para personagens originais Disney, no filme Lilo & Stitch, lançado em 2002.

Após Mulan (1998), o presidente do Departamento de Animação Disney na época, Tom Schumacher, perguntou a Chris qual o tipo de animação ele gostaria de produzir. Sanders na mesma hora se lembrou de uma história que criou para tentar escrever um livro infantil.

Ela girava em torno de uma criatura esquisita da floresta, que não sabia sua origem. Durante um jantar, ele contou sua ideia para Tom, que sugeriu acrescentar humanos à trama, pois um alienígena entre animais não criaria um contraste e dinâmica interessantes, e assim surgiu Lilo. A ideia era frágil, fraca. E por isso foi mantida em segredo por um ano.

Dessa vez, ele escreveu e dirigiu o filme, mas não sozinho. Ele contou com a ajuda de Dean DeBlois, diretor com quem voltaria a trabalhar junto anos depois. Quando o filme ficou pronto e foi exibido, todos os executivos adoraram. Não sabiam exatamente o porquê, a história era simplesmente tão diferente.

Seus traços casaram lindamente com os elementos e tons havaianos. Somados aos cenários em aquarela, à trilha levada por Elvis Presley e o roteiro original, o filme é uma verdadeira pérola. E passa uma das mensagens mais belas de amor entre irmãs e famílias já vistas em filmes Disney.

Além de ter criado o conceito e emprestado seu traço, Chris também deu sua voz para o fofo alienígena Stitch. Aliás, ele ainda o faz até os dias de hoje em séries de televisão e vídeo games.

“Ohana quer dizer família. Família quer dizer nunca abandonar, ou esquecer.”

Lilo

Nos anos seguintes, Chris trabalhou em algumas sequências de filmes Disney, como Mulan II: A Lenda Continua (2005) e séries de televisão, mas foi retirado da direção de Bolt: Supercão (2008), em 2006, e anunciou que deixaria os estúdios. Mais um grande profissional que deixou a casa.

Como a empresa de Mickey Mouse continua permitindo que profissionais dessa qualidade os abandone, nunca entenderei. Mas não lamento sua partida, já que nos estúdios DreamWorks ele pode fazer verdadeiras obras primas como Como Treinar o Seu Dragão, em 2010. Aguardo ansiosa seus próximos trabalhos. Aliás, já reparou como Stitch e Banguela são parecidos?

Sanders dá alma e emoção às cenas e personagens que cria. Seu toque adiciona magia aos filmes. Ele não vê a animação como um meio infantil para contar piadas visuais, mas sim um meio de comunicação onde o impossível é possível, e leva suas histórias muito a sério.

Chris Sanders é muito verdadeiro e carismático em suas poucas aparições e entrevistas. Ele transborda paixão pela arte. Talvez, isso se deva em parte ao fato de admirar muito o artista, e designer de personagens, Joe Grant. Ele conta que Joe era um verdadeiro entusiasta da animação. Era empolgado e isso era contagiante.

O diretor possui alguns canais online, onde divulga seu trabalho. Como seu perfil na rede social Deviant Art; e sua página oficial, onde atualmente divulga o livro que escreveu, em parceria com sua esposa Jessica Steele-Sanders, Rescue Sirens: The Search for the Atavist.

Na minha opinião, o roteiro sempre será a parte mais importante de um filme, criá-lo é, também, a etapa mais difícil. Ele é o alicerce de todo o resto. Ser um Story Artist é conseguir transmitir o roteiro para a tela, visando contar a história da melhor maneira possível, gerando diferentes emoções nos espectadores. E Sanders consegue fazer ambos com maestria. Um escritor através de desenhos, ele é uma inspiração para os contadores de histórias.

Escrito por Caroline

Designer Gráfico, Disney freak, viciada em café, quer ser roteirista e princesa quando crescer. Têm mais livros do que deveria e leu mais vezes “Orgulho e Preconceito” do que têm coragem de admitir.

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