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Disney e Autismo: Como animações ajudaram uma família a lidar com o transtorno

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Pouco tempo após completar três anos de idade, Owen Suskind, uma criança engajada e tagarela, desapareceu dentro de si mesmo. O garoto chorava incontrolavelmente, não dormia, não fazia contato visual com ninguém e apenas dizia “juicervose“. Para seus pais, Ron e Cornelia, nada daquilo fazia sentido, pois, de repente, Owen havia começado a regredir, em vez de progredir como as demais crianças.

O diagnóstico médico foi de autismo regressivo, uma espécie dentro do transtorno do espectro autista, a qual afeta cerca de um terço das crianças com o distúrbio. Ao contrário do tipo mais conhecido do autismo, as crianças desse grupo se desenvolvem normalmente até os três ou quatro anos de idade, e então, passam por uma perda de comunicação e habilidades sociais. Algumas nunca recuperam a fala.

Owen com um ano e seis meses, antes dos sinais de autismo.

Nessa época, a atividade favorita de Owen era assistir aos longas-metragens do Walt Disney Animation Studios ao lado de seu irmão dois anos mais velho, Walt. Os irmãos empilhavam os travesseiros na cama dos pais e se sentavam juntos. Walt, muitas vezes, colocava o braço em volta dos ombros de Owen, tentando mantê-lo – e o mundo mutável – no lugar.

Enquanto Walt, após assistir a um ou dois filmes, ia brincar com seus amigos, Owen permanecia em frente à televisão, em uma maratona de clássicos, desde Pinóquio (1940), Fantasia (1940), Dumbo (1941) e Bambi (1942) até A Pequena Sereia (1989), A Bela e a Fera (1991) e Aladdin (1992). Owen parecia feliz e focado assistindo aos desenhos – algumas cenas ele rebobinava e revia infinitas vezes.

Owen e seus pais, Ron e Cornelia Suskind.

Com o aval da equipe de médicos e especialistas e a recomendação de limitar o passamento a algumas horas, em uma tarde chuvosa, em Novembro de 1994, os pais se juntaram a Owen e Walt para assistir, pela enésima vez, à aventura de Ariel. Owen estava completamente alheio aos pais e ao irmão e continuava murmurando sem parar “juicevorse“, enquanto o longa-metragem passava na televisão.

Quando termina a cena de “Corações Infelizes“, na qual Ursula promete transformar Ariel em uma humana em troca de sua voz, Owen pega o controle e rebobina a fita. Walt reclama, mas Owen ignora e volta a cena mais uma vez. E outra. Na quarta repetição, Cornelia entende o significado de “juicevorse“. Ao contrário do que todos pensavam, o menino não estava pedindo por mais suco (juice, em inglês).

Cornelia, Walt, Owen e Ron Suskind em 1996.

Owen, na verdade, estava repetindo a fala da bruxa do mar: “It won’t cost much, just your voice!” (“O meu preço é a sua voz,” em português). Ariel perdeu a sua voz em um momento de transformação, assim como aconteceu com Owen. Com a descoberta, seu pai o pega pelos ombros e pergunta se ele estava imitando Úrsula. O garoto o olha pela primeira vez em um ano e repete: “Juicevorse! Juicevorse! Juicevorse!

Tomados pelo sentimento de alegria, a família começou a cantar com Úrsula e a pular na cama. No entanto, a felicidade durou pouco. De acordo com os médicos, Owen demonstrava um dos sintomas mais comuns do transtorno, a ecolalia, e apenas estava repetindo as últimas palavras de uma sentença, como em um eco. Isso, felizmente, não foi o suficiente para abater os pais de Owen.

Matéria da ABC sobre Owen Suskind:

Algumas semanas depois, Owen e sua família estavam no Walt Disney World. E segundo Ron, o menino não agia como normalmente fazia, ele parecia calmo, focado, seguindo o grupo e fazendo contato visual, com um leve sorriso no rosto, da mesma forma quando assiste aos desenhos na televisão. Era como se Owen se sentisse em casa e tivesse encontrado a sua identidade naquele local.

Depois da festa de aniversário de nove anos de Walt, o irmão mais velho estava no quintal, cabisbaixo, quando Owen, com sete anos, foi até seus pais e disse: “Walter não quer crescer, igual ao Peter Pan e ao Mogli;” e desapareceu rapidamente. Foi a primeira frase inteira e complexa dita pelo menino, para o completo choque de seus pais. Nada de “me dá” ou “quero isso“. Era a primeira tentativa de comunicação.

Owen, com doze anos, ao lado de Mickey Mouse no Walt Disney World.

Ron e Cornelia, então, perceberam como poderiam se conectar com Owen novamente: através do Universo Disney. Ron sobe para o quarto do garoto e o encontra folheando um livro da Disney. Ao lado da cama, ele nota um boneco do Iago, o papagaio de Jafar, e o pega, pois nos últimos dias Owen estava balbuciando as frases do pássaro e reproduzindo o seu tom de voz.

Imitando Iago e escondido debaixo da cama do filho, Ron pergunta: “Como você sente?“. Owen se vira e, para surpresa do pai, responde: “Eu não me sinto feliz. Eu não tenho amigos. E eu não entendo o que as pessoas estão falando.” Emocionado pelo primeiro diálogo com o filho em muitos anos, Ron questiona de novo: “Então, Owen, como nós nos tornamos tão bons amigos?

Atualmente, Owen mora sozinho e leva uma vida normal.

Foi quando eu comecei a assistir a Aladdin sem parar. Você me faz rir. Você é muito engraçado,” diz Owen em sua voz normal. Ron se lembra de uma fala de Iago e a recita, Owen, usando a voz e o tom sinistro de Jafar, continua o diálogo. Uma semana depois, toda a família se reúne para um experimento durante uma sessão de Mogli – O Menino Lobo (1967).

O filme está rodando normalmente, mas, quando a inesquecível “Somente o Necessário” começa a tocar, Ron coloca a televisão no mudo e passa a imitar Baloo. E sem qualquer ensaio, Owen interpreta Mogli com perfeição, usando os movimentos, emoções, inflexões, jeito e tom de voz idênticos ao do personagem, quase como se não existisse qualquer sinal de autismo.

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Owen encontra os coadjuvantes dos clássicos em cena de Life, Animated (2016).

Meses depois, isso havia se tornado uma rotina e Ron, Cornelia e Walt levavam uma vida dupla. Durante o dia, eles realizavam seus afazeres normais – Ron ia para o seu trabalho de jornalista, Walt ia para a escola e Cornelia cuidava da casa –, porém, à noite, eles se transformavam em personagens animados ao lado de Owen, ajudando-o a contextualizar todos os sons e diálogos armazenados em sua mente.

Porém, a conexão de Owen com as animações não se limitou apenas a recriar as cenas e os diálogos, há também a questão da identificação. Enquanto a maioria das pessoas se sente atraída pelos protagonistas, Owen se sentia representado e simpatizava mais com os coadjuvantes. “Eles são carinhosos, divertidos, simpáticos e ajudam os heróis a cumprirem os seus destinos,” diz Owen.

Trailer do documentário Life, Animated:

Hoje, com vinte e cinco anos, Owen é o seu próprio herói e leva uma vida normal, trabalha, namora e mora sozinho. Ele continua imerso no Universo Disney e, inclusive, criou um clube da Disney, no qual seus colegas de escola, também com autismo, se reúnem semanalmente para comer pipoca, assistir aos filmes e conversar a respeito do significado daquelas histórias na vida de cada um.

Ron Suskind, em 2014, lançou o livro “Life, Animated“, contando a inspiradora história de Owen, e, dois anos depois, se tornou um documentário, o qual mistura filmagens caseiras, entrevistas e cenas dos clássicos da Disney – assista ao trailer acima –, com a participação especial de diversos intérpretes dos personagens, a exemplo de Jonathan Freeman, a voz original de Jafar.

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Escrito por Lucas

Um grande aficionado por cinema, séries, livros e, claro, pelo Universo Disney. Estão entre os seus clássicos favoritos: "O Rei Leão", " A Bela e a Fera", " Planeta do Tesouro", "A Família do Futuro" e "Operação Big Hero".