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Clássicos na Crítica | O Cão e a Raposa

 

 

 

O seu melhor amigo…

Com quem você se diverte…

Pode ter qualquer cor e pode ser quem for…

É sempre o melhor…

É tão bom viver…

Numa eterna brincadeira…

Não percebem jamais que são tão desiguais…

É tão bom viver!…

 


Anos 1970/1980. Esta foi uma época de enorme importância para a história da Walt Disney Pictures pois representou um período de transição no estúdio onde os veteranos e grandes mestres da animação deixavam uma Disney já consolidada e famosa no mundo inteiro por seus longas de animação e suas célebres personagens para uma nova geração de animadores e artistas recém-formados que mais tarde seriam responsáveis por uma nova fase áurea de lançamentos marcada por verdadeiros Clássicos não só da animação mas também de toda a história da 7ª arte, tais como “A Pequena Sereia”, “A Bela e a Fera”, “Aladdin”, “O Rei Leão” e tantas outras preciosidades.

“O Cão e a Raposa” (“The Fox and the Hound”, de 1981), baseado na obra homônima de Daniel Pratt Mannix, sem dúvidas é um dos longas mais expressivos dessa época ao apresentar os primeiros trabalhos daqueles jovens talentos que mais tarde trariam ao grande público tantos sucessos. Infelizmente, ao mesmo tempo, o filme faz parte de uma fase um tanto quanto “apagada” do estúdio, cujas produções como “Robin Hood”, “Aristogatas” e “Bernardo e Bianca” não são exatamente tão populares e conhecidas por todos. Mas nem por isso “O Cão e a Raposa” perde o seu brilho. Muito pelo contrário! O Clássico sem dúvidas é um dos longas-metragens mais encantadores e tocantes já apresentados pela Disney, embora é claro não seja tão ousado quanto outras produções da casa e não trabalhe certos elementos e pontos presentes em sua trama.

 

 

No caso, o longa gira em torno da amizade entre Toby e Dodó, que se conhecem quando crianças e prometem ser os melhores amigos para todo o sempre. Poderia ser uma simples história de duas meras amizades se não fosse pelo fato de Toby ser um filhote de cão de caça e Dodó um filhote de raposa, ou seja, ambos são inimigos naturais. Desse modo, perante aos obstáculos, preconceitos e conflitos encontrados ao decorrer da trajetória desses protagonistas, a amizade dos dois passará por um teste definitivo.

Já por este breve resumo da trama, percebe-se o quanto “O Cão e a Raposa” não se trata apenas de um “filme sobre a amizade”, algo bastante típico nos filmes do estúdio. Ao mesmo tempo ele acaba abordando questões muito mais complexas  como o preconceito e os estereótipos criados pela sociedade em relação a determinados grupos que, no final das contas, sempre acabam contribuindo para uma maior separação entre indivíduos de diferentes etnias ou culturas, o que infelizmente sempre esteve presente em nossa história e ainda permanece nos dias atuais, embora não de maneira tão explícita quanto antigamente, mas basta observarmos com um maior cuidado para percebemos o quanto esses rótulos ainda existem. E todas esses paralelos são apresentadas da maneira mais sutil e discreta possível, como se fossem aqueles deliciosos e interessantes detalhes encontrados nas “entre linhas” de algum romance literário.

 

 

A propósito, vale a pena falar um pouco sobre estes dois camaradas. É inegável que Toby e Dodó façam parte da linha de “personagens fofas” da Disney; as cenas mostrando os dois brincando quando filhotes, por exemplo, são completamente irresistíveis e arrancam fácil fácil um sorriso do rosto de qualquer espectador. Mas é claro que ambos são muito mais do que isso. Os dois passam por um verdadeiro desafio ao desenrolar da narrativa pois seus antagonistas não se limitam apenas a um velho caçador ou um urso feroz, mas também a própria sociedade que já os define como inimigos mortais antes mesmo de se conhecerem e, por incrível que pareça, eles próprios já que, à medida em que amadurecem e percebem a real situação em que se encontram, em um determinado ponto da história, ambos praticamente se convencem de que devem de fato ser a “caça” e o “caçador” e agir como tal, embora no fundo os dois desejem exatamente o oposto (embora só percebam isso nos momentos finais).

Esses conflitos internos assim como várias outras situações-chave da trama (e por que não, o enorme carisma de Toby e Dodó) acabam nos apresentando protagonistas verdadeiramente envolventes e que prendem a nossa atenção, fazendo com que estejamos interessados em saber como tudo será resolvido, como ambos seguirão com suas próprias vidas e até torçamos por eles!

 

 

Outro ponto deveras interessante do filme é a relação entre Chefe, o velho cão de caça, e seu novo aprendiz Toby, que varia desde um sentimento, digamos, paternal até um companheirismo e uma certa inveja do veterano ao ver que aos poucos o jovem cãozinho está tomando o seu lugar. Na verdade, esses dois, em certos momentos, representam de maneira sutil a situação em que o próprio estúdio se encontrava na época, onde os veteranos ensinavam e davam lugar aos jovens animadores que, assim como o pequeno Toby, sonhavam em um dia se tornarem tão talentosos e eficazes quanto seus grandes tutores. É algo que realmente faz da relação entre essas duas personagens algo bastante interessante.

Por sinal, sei que muitos me detestarão por causa disso mas, por mais divertido que Chefe possa ser, achei que ele deveria ter morrido mesmo naquele acidente com o trem. Creio que criaria um arco dramático muito maior e mais apropriado à trama (e nem venham dizendo que seria algo forte demais para as crianças, pois vários outros Clássicos Disney possuem cenas bem mais intensas do que essa…)…

 

Não me prolongarei muito sobre as outras personagens, mas todas elas também possuem o seu carisma, charme ou atraentes particularidades, como por exemplo a velha viúva que decide cuidar de Dodó, a simpática e sábia Mamãe Coruja e até os divertidos Dinky e Boomer. Em relação a estes últimos, muitos podem achar que às vezes são até um tanto quanto desnecessários em relação à história, mas na verdade os dois acabam rendendo cenas hilárias em sua eterna captura por uma pobre lagarta e podem sim arrancar gostosas risadas de qualquer espectador (inclusive, o desfecho de tal perseguição foi brilhante!).

“O Cão e a Raposa” também possui o mérito de apresentar belíssimas sequências, as quais conseguem equilibrar perfeitamente momentos mais descontraídos e leves com outros por sua vez mais intensos e profundos. Já de início nos deparamos com uma abertura arrepiante, que em seus primeiros momentos já apresenta um clima de suspense e tensão, ao apresentar, em meio ao silêncio total, uma floresta sombria cuja beleza não demonstra o verdadeiro perigo em que se encontra uma pobre raposa que tenta desesperadamente fugir dos caçadores que estão em seu encalço e salvar o seu pobre filhote.

Cenas como a em que Dodó vê pela primeira vez as peles das raposas caçadas pelo caçador ou a que Toby, já crescido, diz ao seu antigo amigo que “aqueles dias já haviam passado” de fato confirmam que não estamos assistindo um mero filme infantil, tamanha a intensidade presente nas mesmas, embora esta venha à tona da maneira mais delicada possível, sem nenhum grande impacto que poderia assustar o público mais infanto-juvenil (no melhor estilo Disney!)! Mas é claro que o filme também não gira em torna apenas do drama. Ele também possui várias outras sequências repletas de carisma e encantamento, como por exemplo quando Dodó conhece sua parceira Míriam (“É… Acho que seis já é o bastante…” “Seis?… Seis o quê?…”).

 

 

Mas sem dúvidas uma das cenas mais belas e tocantes de todo o filme é a sequência musical “Goodbye May Seem Forever”, quando a velha senhora decide abandonar seu querido raposo na reserva florestal para protegê-lo do velho caçador (“Você não pode prendê-lo para sempre!”). De fato é a cena mais triste presente em um Clássico Disney, pois pior do que perdermos uma pessoa que amamos é nós mesmos termos de abandoná-la, seja essa pessoa um ente de nossa família, uma grande amizade ou alguém a qual entregamos nosso coração e prometemos amar durante toda a eternidade.

Conseguimos nos compadecer e sentir a imensa dor que toma conta dessas personagens, e muitas vezes tal feito é obtido apenas pelo simples olhar decidido mas ao mesmo tempo desolado quando a senhora se depara com uma fotografia de Dodó ou quando se lembra de antigos episódios entre os dois, por exemplo. E talvez a “a gota d’água” seja o próprio raposo que, ingenuamente, não percebe o que realmente está acontecendo até quando se vê sozinho na floresta, sem um lugar para passar a noite e ainda por cima no meio de uma tempestade, completamente abandonado e só. E tudo isso ao som de uma das canções mais belas e sublimes já criadas pela Disney, tanto em sua versão em inglês como em português. É de fazer qualquer marmanjo cair em prantos ou derramar no mínimo uma ou duas lágrimas.

 

Parece que foi… ontem que eu o encontrei….

Você me olhou… e eu o amparei…

E da sua tristeza… nossa alegria nasceu…

E a sua presença… nova vida me deu…

Eu me lembro… de como nós brincamos…

Também me lembro de quando chovia…

Do calor da chama… que nos aquecia…

E agora vejo… que ficamos sós.

É triste a despedida…

Adeus parece o fim…

Mas guardarei pra sempre…

Você… em meu coração….

 

E claro! Não poderia deixar de falar sobre os emocionantes, tensos e profundos momentos finais do filme que certamente é um dos desfechos mais bonitos e tristes já vistos em uma produção da casa! O clímax final da caçada de Dodó pelo caçador e por Toby para enfim dar lugar à luta final contra o feroz e monstruoso urso é de fato umas das cenas de ação mais empolgantes e intensas criadas pelo estúdio! A animação aqui vista é simplesmente impecável, abusando de fantásticos e realistas movimentos de luta e também nos apresentando momentos de pura tensão e suspense (inclusive a criação dos storyboards e da animação poderosa do assustador urso foram um dos primeiros grandes feitos do grande mestre Glen Keane na Disney!)! Mas, algo decepcionante em relação a essa cena foi justamente a trilha sonora, elemento na maioria das vezes fundamental para que uma cena de ação funcione perfeitamente, já que a música sempre contribui para proporcionar aquele ritmo mais tenso e acelerado, essencial em qualquer bom clímax que se preze. E nesse caso, muitas vezes a música não consegue acompanhar a violência dos golpes, ataques e investidas destoando bastante do clima exigido pela sequência.

 

 

Outro ponto que deixou a desejar foi a atitude final do caçador, que subitamente muda de ideia e decide poupar Dodó. Mesmo que isso tenha sido fruto da intervenção de Toby, essa mudança tão repentina de fato ficou bastante vaga, já que anteriormente ele estava tão obcecado em capturar o jovem raposo (inclusive, o final do livro original é muito mais sombrio, já que o caçador prega a pele de Dodó na parede e mata Toby com sua espingarda!). Contudo, apesar dos pesares, é extremamente tocante o modo como enfim vemos a amizade dos dois falar mais alto e como ela ainda continua viva e forte, mesmo com todos aqueles sentimentos de raiva, vingança e perseguição, a ponto de um estar disposto a se sacrificar ou intervir a favor do outro. E o melhor, toda essa reviravolta é expressa apenas através dos olhares e pequenos gestos de Toby e Dodó, em cenas verdadeiramente sublimes, praticamente isentas de diálogos. Foi ótimo a Disney não ter optado por diálogos clichês ou algo do tipo, bastante comum em filmes desse gênero. O resultado final de fato é muito bonito.

E se as lágrimas estavam novamente se formando, elas por fim desabam de vez com os belíssimos segundos finais, com a retomada da frase clássica “Seremos amigos para sempre! Não é Toby? Sim, para sempre!”, mas desta vez mostrando os dois camaradas olhando-se de longe (e ainda por cima ao som do instrumental de “GoodBye May Seem Forever”), desfecho este inclusive que destoa um pouco do “Viveram felizes para sempre” . É talvez um dos finais mais realistas do estúdio, pois, embora torçamos para o contrário, no fundo sabemos que Toby e Dodó jamais voltarão a ser aqueles filhotes que passavam o dia brincando. Como o cão de caça disse anteriormente, “aqueles dias já se passaram”. Mas ao mesmo tempo,é neste plano final que vemos a grande mensagem desta história: a sociedade, com seus estúpidos rótulos, ainda os mantém separados mas é incapaz de quebrar um laço muito mais forte e que sim, apesar de tudo e de todos, é eterno. Formidável, arrepiante e triste.

 

 

Em relação aos aspectos técnicos, “O Cão e a Raposa” não faz feio comparado à outras grandes produções do estúdio! Muitos não falam nisso, mas esta é uma das melhores animações de seres humanos pertencente a um Clássico Disney (ao lado deA Bela Adormecida“, “Pocahontase tantos outros), sendo que todas as personagens são “palpáveis”, “volumosas” e dotadas de movimentos extremamente realistas e convincentes (sim, dá uma vontade muito grande de abraçar aqueles filhotes ou aquela Mamãe Coruja!). Os cenários também são de uma beleza incrível, apresentando diversos detalhes e uma quantidade rica e variada de cores de diferentes tonalidades, cujo resultado é algo bastante agradável e aconchegante aos olhos (embora infelizmente, tal requinte artístico seja deveras prejudicado pela má qualidade de imagem presente na última edição em DVD do filme). Surpreendentemente, é um dos visuais mais belos já vistos em uma produção da casa!

Mesmo com o desempenho decepcionante na cena com o urso, a trilha sonora no geral é igualmente contagiante e também bastante carismática, com ótimos usos de gaitas, banjos e cordas e ainda por cima com belas letras, ora divertidas ora bastante sublimes de acordo com as cenas em que são apresentadas. Contudo, este é um dos únicos longas da Disney em que as versões nacionais das músicas acabaram devendo um pouco em relação às versões originais em inglês (salvo raras exceções). Mas no final das contas os ouvidos também agradecem (e é claro, “Goodbye May Seem Forever” é a melhor de todas!).

 

 

A propósito, sei que este não é o objetivo desse texto, mas é uma lástima que a Disney Brasil até hoje não tenha se manifestado em relação ao lançamento em Blu-ray de “O Cão e a Raposa” por aqui! Está certo que muitas vezes a empresa dá um ótimo tratamento a alguns títulos em Home Vídeo do estúdio no país (vide o belo acabamento da Edição Diamante em Blu-ray de “O Rei Leão”, lançada recentemente), mas é uma pena que ela até agora tenha privado os fãs e colecionadores brasileiros de conferirem este Clássico em alta definição, principalmente se levarmos em consideração a terrível qualidade de imagem e som do último DVD.

Espero mesmo que um dia ela possa disponibilizar o filme em HD por aqui, pois “O Cão e a Raposa” nada mais é do que um belo Clássico, capaz de tocar o mais duro dos corações. E mesmo que possa ter alguns pontos não muito bem trabalhados, do mesmo jeito se porta como umas das maiores realizações da Walt Disney Pictures e é uma pena que não seja tão valorizado pela mesma do mesmo jeito que vários outros filmes o são. Esperamos que um dia isso também possa de fato se concretizar.

 

Não sei por que o mundo tem que interferir!…

Seria melhor se os deixassem sorrir…

Quem sabe o convencional já não é mais normal?…

Não sabem talvez…

Que o mundo pertence a vocês….


 

Fique de olho para os próximos especiais dos “Clássicos na Crítica“!


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Escrito por Luís Fernando

"Tupi or not tupi! That is the question..."