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Clássicos na Crítica | Hércules

“Eu viajarei

Vou vencer distâncias

Sei que chegarei

Com o meu suor

Nesse tal lugar

Onde vou parar

Eu sei que pra

Minha vida vai ser bem melhor…”

Durante a década de 90 vimos a Disney começar a inovar suas animações com histórias que cada vez mais fugiam dos roteiros baseados em contos de fadas. “O Rei Leão”, “O Corcunda de Notre Dame”, “Tarzan”, entre outros filmes, marcaram o início de uma nova fase do estúdio, onde os limites criativos de suas produções foram expandidos e puderam conquistar um público ainda maior com suas histórias. E “Hércules” é um desses filmes.

Levemente baseado na lenda de Hércules conhecida pela Mitologia Grega, o filme conta a história do filho de Zeus e Hera, que é vítima dos planos de Hades para dominar o Olimpo e é separado dos pais. Porém o plano de Hades dá errado e, ao invés de beber toda uma poção que o tornaria um completo mortal para assim poder ser morto, Hércules não bebe a última gota e por isso se torna sim mortal, porém mantém sua força divina conservada. O pobre bebê é então adotado por um casal de fazendeiros. Dezesseis anos depois, Hércules se sente deslocado da sociedade em que vive e parte em busca de suas origens.

Durante um encontro com Zeus em pessoa, Hércules descobre de quem é filho e que, para voltar a ser um Deus, ele precisa primeiro se tornar um herói. Então ele parte em busca do sátiro treinador de heróis, Filoctetes (ou Phil, para os íntimos), que começa a treiná-lo, mesmo depois de aposentado. É assim que ele conhece e salva Megara (ou Meg) de um centauro, por quem começa a se apaixonar, sem saber que ela é serva de Hades. Ao descobrir que Hércules está vivo, Hades começa a usar Meg para criar armadilhas para que Hércules seja morto, já que ele planeja libertar os titãs sobre a Terra em breve e precisar tirar Hércules do seu caminho para conseguir. Mal sabe ele que Meg também está começando a gostar de Hércules e esse amor pode atrapalhar seus planos.

Como fiz questão de destacar, o roteiro do filme é apenas levemente baseado na mitologia grega original, já que as lendas gregas são carregadas de tragédias e dramas. Por exemplo, originalmente, Hércules é filho de Zeus com uma mortal, já que o adultério era uma prática muito comum entre os deuses do Olimpo. Contudo uma história com valores distorcidos como esses não seria tão apropriada para um filme voltado para o público infantil.  Porém, a forma caricata com que a trama é retratada deixa o filme cômico demais para uma história que deveria ser mais épica e pelo menos um pouquinho mais séria. Com poucas exceções, a maioria das personagens é caricata demais, abusando de gestos, expressões e atitudes às vezes um pouco exageradas. “O Corcunda de Notre Dame”, por exemplo, conseguiu equilibrar a seriedade de uma história sombria com personagens cômicos de forma excepcional, algo que “Hércules” não conseguiu fazer tão bem.

A comicidade do filme, porém, não tira o seu valor. “Hércules” pode ter seus defeitos, mas também tem suas qualidades. A começar pela estética da animação. Apostando em traços fortes e rústicos, a animação é de ótima qualidade, com muito colorido, cores vibrantes e fluidez. Utilizando também de efeitos em CGI, a Grécia é retratada de forma peculiar, com um design ao mesmo tempo clássico e moderno. Impossível não apreciar a qualidade de cenários como o Mundo Inferior e o Monte Olimpo, por exemplo.

Além disso, a musicalidade está presente de forma muito forte em todo o filme. Fugindo dos padrões dos filmes anteriores do estúdio, Hércules possui músicas com forte inspiração na música gospel, no R&B e no Soul. E fica impossível falar disso sem lembrar das Musas. Originalmente, elas são as entidades mitológicas a quem eram atribuídas, na Grécia Antiga, a capacidade de inspirar a criação artística ou científica. No filme, elas narram a história através de animadas músicas que servem para dar ritmo e agilizar a narrativa do filme. Intérpretes da maioria das músicas do filme, elas são altamente carismáticas e já abrem o filme com uma sequência musical em três partes com “O Que Passou”.

Além das performances das Musas, temos também números musicais individuais de Hércules, Phil e Meg. Nos três casos, as músicas servem para dar mais ritmo à história (no caso do número musical de Phil) e expressar os sentimentos de seus intérpretes (como no caso de Hércules e Meg). A música interpretada por Hércules, “Vencer Distâncias” (“Go The Distance”) foi indicada ao Oscar, inclusive, perdendo para “My Heart Will Go On” da Celine Dion. No Brasil ela foi cantada pelo cantor Marcus Menna, ex-vocalista da Banda LS Jack.

Com uma trama que foge um pouco da lenda de Hércules (os famosos 12 trabalhos são apenas vistos como referências durante a fantástica música “De Zero a Herói”), a trama do filme é bem desenvolvida e interessante. Hades é um ótimo vilão, apesar de ser caricato e exagerado demais para o Deus do submundo. Apesar disso ele tem carisma e consegue ser um dos personagens mais legais do longa. Meg se mostra irritante em primeiro momento, mas ao longo da história vamos conhecendo sua história e acompanhando sua transformação e vamos gostando da adorável personagem aos poucos.

Mas é Hércules o personagem principal do filme, e ele segura bem essa responsabilidade, já que suas inseguranças fazem dele um personagem de fácil identificação. Quando jovem, ao se mostrar inseguro e questionador quanto ao seu lugar no mundo, vemos a figura de uma pessoa diferente das demais e que sofre por isso, pois toda a sociedade não aceita essa diferença. E na luta por achar o seu lugar no mundo, ele realmente prova a todos que a sua diferença é o que faz dele tão especial. Sua evolução quanto personagem é clara na história. É uma jornada rumo ao autoconhecimento: De um jovem inseguro, para um herói em busca de glória para enfim alcançar o seu ato maior de heroísmo ao se sacrificar por amor.

Hércules” é um filme bem família, engraçado ao extremo mas também com boas doses de ação e uma linda lição de moral. Cheio de referências ao nosso mundo moderno através de piadas bastante inteligentes e ótimo conteúdo histórico (apesar de um pouco distorcido) sobre a mitologia grega, “Hércules” é um filme que conquista não só crianças, mas também adultos, por sua leveza e história de fácil identificação. Eu desafio qualquer um a assistir esse filme e não se sentir inspirado pela jornada de autoconhecimento de Hércules no filme e pelos seus versos ao mostrar que o que ele mais quer é vencer distâncias. Que tal encontrar o herói que existe dentro de você?

“Todos tem na hora da aflição

Poder no coração

Pra ser também herói de alguém

Não perca a fé, não viva ao léu

É só olhar e acreditar

Toda noite um astro brilhará

Um novo astro já brilhou no céu.”

Escrito por Felipe Andrade

Estudante de Administração, nerd, cinéfilo, colecionador e uma eterna criança. Não exatamente nessa ordem...