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Aladdin | Bastidores de uma animação que quase não aconteceu

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Produzir uma animação não é um trabalho fácil. Muitas vezes essa arte acaba sendo menosprezada e definida como infantil. Durante a década de 1990, o Walt Disney Animation Studios mostrou aos críticos o quanto um desenho animado pode surpreender. Foi nessa época – também conhecida como Renascença – que clássicos tão amados e aclamados foram criados, e de A Pequena Sereia (1989) a Tarzan (1999), foi construído um legado inesquecível.

Dirigido por Ron Clements e John Musker, Aladdin (1992) se tornou o primeiro longa-metragem de animação a cruzar a marca de US$200 milhões arrecadados nas bilheterias, porém, para que isso acontecesse, a equipe passou por diversos problemas e inclusive precisou reformular o roteiro praticamente do zero. E para complicar mais ainda, o lançamento nos cinemas estava marcado para dali um ano e meio, em 25 de Novembro de 1992.

Artes conceituais do protagonista Aladdin.

Todavia, para entendermos melhor os bastidores desse clássico, precisamos revirar a sua história original. Aladim e a Lâmpada Maravilhosa é um dos contos da famosa coletânea árabe As Mil e Uma Noites. Em 1704, o francês Antoine Galland fez a primeira tradução livre do livro, e antes de sua tradução, não havia registros do conto. Segundo Galland, a história teria sido narrada a ele por um jovem sírio, que visitava Paris.

Aladim e a Lâmpada Maravilhosa acompanha o pobre Aladim, filho do falecido alfaiate Mustafá. Certo dia, um estrangeiro misterioso e bem vestido aparece na cidade oferecendo-lhe algumas moedas. Em troca, Aladim deveria passar por um estreito buraco e levar ao homem uma lâmpada velha. Fora da cidade, o homem entrega um anel ao garoto e ele entra pela abertura, onde encontra uma sala repleta de diamantes, pérolas e rubis.

Primeiras versões de Jasmine.

O garoto encontra a lâmpada e, ao pedir ajuda para sair dali, o homem ordena que Aladim entregue a lâmpada. Ele se recusa a fazer isso antes de ser ajudado e, impaciente, o homem o tranca naquele local. Aladim começa a chorar e, quando limpa o rosto com a mão, o anel começa a brilhar e uma imponente criatura surge, alegando ser o Gênio do Anel e que ele o obedecerá. Então, Aladim dá uma ordem para voltar para casa.

Em casa, Aladim lustrava a lâmpada e, para sua surpresa e de sua mãe, outro Gênio se revela. Um dos inúmeros desejos que o Gênio concedeu para Aladim foi o de construir um castelo, a fim do Sultão lhe conceder a mão de sua filha, a princesa Badroulboudour. Depois de casados, a princesa estava sozinha no palácio e um comerciante passa oferecendo para trocar velhas lâmpadas por novas. Sem saber do segredo do marido, ela entrega a lâmpada para o homem.

Glen Keane mostra cena de Aladdin:

Na verdade, o comerciante era o misterioso homem que havia deixado Aladim para morrer. Ele esfrega a lâmpada e ordena ao Gênio que transportasse o castelo e a princesa para um país muito distante. Ao descobrir, Aladim recorre ao Gênio do Anel e é levado para junto de sua amada. Aladim entrega um pó para Badroulboudour colocar na bebida do homem, que desmaia imediatamente. Aladim recupera a lâmpada e pede ao Gênio da Lâmpada para regressarem.

Há várias diferenças entre o longa-metragem e o conto, ainda que existam diversas versões dele e os detalhes possam variar. As mais notáveis mudanças são: não há tapete mágico; Aladim é órfão apenas de pai; existe um número infinito de pedidos e não há regras; há dois Gênios, um da Lâmpada e outro do Anel; nenhum dos Gênios deseja ser livre; e por fim, o fato da história se passar na China, em vez de uma fictícia cidade árabe, e dos personagens serem chineses.

Artes conceituais para a Mãe de Aladdin.

Vários desses elementos estavam na versão inicial do roteiro. Originalmente, Aladdin seria mais jovem, com quinze anos, e sua mãe teria uma importância fundamental na trama. No lugar de Abu, o protagonista teria três amigos, chamados Babkak, Omar e Kassim, além do Gênio do Anel. Musker e Clements apresentaram essa ideia para Jeffrey Katzenberg, presidente do estúdio na época, que odiou e exigiu que refizessem tudo do zero.

Durante oito dias, a equipe se reuniu para reestruturar todo o roteiro. Ted Elliott e Terry Rossio foram contratados para auxiliar nessa etapa. Eles sugeriram o corte da mãe de Aladdin e a redução para apenas três desejos do Gênio, incluindo as regras: não matar ninguém; não poder fazer alguém se apaixonar por outra pessoa; e não ressuscitar os mortos. Elliott e Rossio se tornariam famosos, anos depois, por escreverem Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra (2003).

Versões anteriores do Gênio.

Esse período da produção ficou conhecido como Black Friday (Sexta-feira Negra, em tradução livre) pela equipe. Diversas storyboards foram descartadas e os próprios personagens foram redesenhados. Aladdin, por exemplo, envelheceu para dezoito anos. Glen Keane, por ordens de Katzenberg, se inspirou em Tom Cruise para torná-lo mais charmoso, pois o presidente do estúdio não acreditava que Jasmine se apaixonaria por alguém parecido com Michael J. Fox.

Segundo os diretores, Aladdin poderia ser facilmente um filme com atores ao invés de animação. No entanto, eles queriam algo exclusivo das animações. Assim, surgiram as transformações do Gênio, mas o personagem perdeu um pouco dos seus traços modernos para ganhar curvas inspiradas no cartunista Al Hirschfeld. Eric Goldberg, responsável por dar vida ao Gênio, também buscou referências nos estilos do cantor Cab Calloway e do pianista Fats Waller.

Gravação de “A Whole New World“:

Mais um personagem que passou por mudanças foi o Tapete Mágico. Clements e Musker imaginaram o personagem como uma espécie de substituto para o Gênio do Anel. Ele deveria ser criado totalmente por computação gráfica, porém a ideia não estava funcionando como o desejado. Então, precisaram usar uma técnica híbrida. Randy Cartwright animava o personagem enquanto a pintura e textura eram acrescentadas no computador. A Caverna das Maravilhas foi criada de forma semelhante.

Até a trilha sonora passou pela peneira. Howard Ashman e Alan Menken, compositores de A Pequena Sereia (1989) e A Bela e a Fera (1991), já trabalhavam nas músicas do clássico tempos antes da produção começar. Infelizmente, em Março de 1991, Ashman faleceu e Tim Rice foi convidado para ajudar Menken a terminar de compor a trilha. Nesse ínterim e com a exclusão de vários personagens, muitas músicas também foram excluídas.

Artes conceituais para os cenários do longa-metragem.

Babkak, Omar e Kassim teriam três músicas, já Jasmine teria a chance de cantar sozinha. A mais famosa dessas músicas excluídas é “Proud of Your Boy“, na qual Aladdin canta sobre fazer sua mãe ter orgulho dele. Ashman adorava a canção e batalhou para que fosse mantida na versão final, o que não aconteceu, entretanto, ela foi incluída na adaptação para a Broadway, junto a várias outras.

Uma das canções excluídas foi “Arabian Nights (Reprise)”, interpretada por Robin Williams. Inicialmente, o vendedor da Lâmpada, também dublado por Williams, voltaria ao final do longa-metragem para se revelar como o Gênio disfarçado e cantaria a reprise. Clements disse que a revelação foi cortada porque nas sessões de teste o público se levantava depois do beijo de Aladdin e Jasmine. O vendedor aparece no final de Aladdin e os Quarenta Ladrões (1996) cantando a música.

Esboço de Jafar e Iago.

Williams também foi responsável por auxiliar nas mudanças do roteiro. Muito das imitações e dos diálogos do personagens foi improvisado pelo ator. Ao todo, foram mais de dezesseis horas de material improvisado apenas por Robin Williams – a maioria, no entanto, era imprópria para uma longa infantil. A cena de abertura, em que o vendedor apresenta diversos objetos, foi totalmente criada pelo ator, usando itens dispostos em uma mesa na cabine de gravação.

Gilbert Gottfried, intérprete do papagaio Iago, assim como Williams, ajudou a moldar a sua personalidade. Antes das improvisações do comediante, Iago era mais sério, esnobe e tinha um sotaque britânico. Essas características foram passadas a Jafar. O animador Andreas Deja disse que o vilão somente começou a funcionar a partir do momento em que ficou mais sério, criando um contraste entre ele e Gênio, Iago e os demais personagens.

Bastidores de Aladdin com Linda Larkin:

Igual ao Tapete, Jafar não existe em Aladim e a Lâmpada Maravilhosa. O grão-vizir do original desejava casar seu filho com a princesa e não queria mal algum a Aladim. Jafar seria uma mistura do conselheiro com o misterioso homem, o qual, em algumas versões, é descrito como um mago africano. No antigo roteiro, Jafar mostrava seu lado sádico em “Humiliate the Boy“, e com a posse da lâmpada, humilhava Aladdin em frente de todos. A música foi substituída por “Prince Ali (Reprise)” no filme.

Hoje, é quase impossível encontrar alguém que não conheça a história de Aladdin da forma como a Disney nos contou vinte e três anos atrás. Eric Goldberg comentou que embora pareça espontâneo, Aladdin está mais para um caos extremamente controlado, afinal é curioso pensar o quão o resultado poderia ter sido diferente se Jeffrey Katzenberg tivesse aprovado aquela versão preliminar. Talvez, sequer tivéssemos um longa-metragem sobre romance, magia e fantasia.

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Escrito por Lucas

Um grande aficionado por cinema, séries, livros e, claro, pelo Universo Disney. Estão entre os seus clássicos favoritos: "O Rei Leão", " A Bela e a Fera", " Planeta do Tesouro", "A Família do Futuro" e "Operação Big Hero".