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A Outra Ponta do Lápis | Howard Ashman

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Algumas edições atrás, nós falamos sobre Alan Menken nessa coluna. O compositor foi responsável por criar melodias belíssimas e icônicas para filmes como A Pequena Sereia (1989), A Bela e a Fera (1991) e Aladdin (1992).

No entanto, enquanto andamos na rua, limpamos nossa casa ou estamos no chuveiro, os versos que cantarolamos tão facilmente sem perceber, pois os sabemos de cor, foram criados por outro artista. Um letrista com uma bela, porém curta carreira. Começaremos o ano falando sobre Howard Ashman.

“Ao nosso amigo Howard, que deu a uma sereia sua voz e a uma Fera sua alma, nós sempre seremos gratos. Howard Ashman 1950 – 1991”

Dedicatória de A Bela e a Fera

Filho de Shirley Thelma Ashman e Raymond Ashman, Howard nasceu em uma família judia em Baltimore, Maryland, no dia 17 de Maio de 1950. Após se formar na Universidade de Boston, ele se formou Mestre na Universidade de Indiana.

Sua carreira no teatro começou realmente no início da década de 1970, quando se mudou para Nova York para ser dramaturgo à noite enquanto trabalhava como editor de livros na Grosset & Dunlap.

Em 1977, ele se tornou diretor de arte da companhia de teatro WPA Theatre, da qual também era fundador. Foi lá, em Nova Iorque, que conheceu o compositor Alan Menken, o que mudaria sua vida para sempre. Os dois se tornaram não apenas grandes amigos, mas a dupla perfeita.

Após trabalharem juntos em algumas peças, o primeiro sucesso da parceria dos dois veio com Little Shop Of Horrors, que chegou aos palcos em 1982. A peça fez sucesso e ficou cinco anos em cartaz no teatro Orpheum Theater, em Nova York, sendo também adaptada em outras cidades como Los Angeles e Londres.

A peça também foi adaptada para longa-metragem, em 1986. Menken cuidou da trilha sonora enquanto Howard Ashman adaptou o roteiro para os cinemas. O sucesso do filme chamou a atenção dos estúdios Disney, que logo convocaram Ashman para trabalhar em um projeto.

Na verdade, os estúdios ofereceram três opções para Howard que escolheu trabalhar dando voz à Ariel. E quem ele chamaria para compor as melodias de suas canções? Alan Menken, claro. Foi o início da história dos dois no mundo das animações.

Howard Ashman orientando Jodi Benson:

Após tantos filmes rendendo pouco nas bilheteria, e obtendo nenhum reconhecimento da crítica, muitos consideram A Pequena Sereia (1989) como sendo o retorno dos estúdios Disney ao seu auge, o início do período conhecido como Renascença Disney.

E grande parte desse mérito se deve ao trabalho de Menken e Ashman. Howard literalmente transmitiu seu conhecimento à toda equipe, ensinando como músicas evoluíram com o tempo e como canções deveriam ser usadas para melhor contar uma história.

Sabe quando você está assistindo a um musical e quase não percebe quando uma música termina e a outra começa de tão bem encaixadas à trama que estão? Essa foi a lição de Ashman.

Ele acreditava que um número musical não deveria ser apenas colocado no filme para apresentar uma boa canção. Ele deveria ser pensado e planejado. Para ele, um personagem deve começar a cantar quando palavras não são mais o bastante, quando precisam expor suas emoções ao máximo.

“I wanna be where the people are. I wanna see, wanna see them dancing. Walking around on those – what do you call them? Oh – feet!”

“Part of Your World”

Durante a produção de A Pequena Sereia, Ashman também adicionou um elemento que seria, a partir de então, uma das característica dos musicais Disney: o número musical que ele chamara de ‘I want’ (Eu quero).

É nesse momento do filme que a heroína, ou herói, canta sobre seus maiores desejos, nos conta quais são seus objetivos principais. É uma chance de conhecermos melhor os personagens e torcermos por ele até o final.

Howard Ashman cantando “Part of Your Word“:

No caso de A Pequena Sereia, a canção ‘I want’ foi “Part of Your World“. É curioso pensar que a sequência quase foi descartada durante testes de exibição do filme. Um exemplo mais recentes desse número musical é “How Far I’ll Go” de Moana: Um Mar de Aventuras (2017).

Seu modo de contar histórias através das músicas era único e extremamente cativante. Vê-lo explicar o porquê de um personagem estar cantando e como deveria fazê-lo era tão encantador, que os artistas de storyboard e animadores mal podiam esperar para começar a trabalhar nas cenas.

“Pinóquio, A Bela Adormecida, Cinderela… Fazer algo que se encaixe na prateleira ao lado de todos eles? Que coisa difícil de se fazer! Mas é algo maravilhoso de se tentar fazer.”

Howard Ashman

Na verdade, suas canções foram o que fizeram o animador Glen Keane implorar para animar Ariel. De acordo com Roy Disney, ele era como o próprio Walt Disney em sua época.

Após nos encantar com músicas como “Under The Sea” e “Part of Your World“, Howard partiu para outro projeto com, é claro, Alan Menken como parceiro. Em 1988, ele e Menken iniciaram o planejamento de Aladdin, cuja estreia aconteceria somente em 1992.

Porém, outra produção Disney estava em apuros. Um dos filmes do estúdio estava sendo recomeçado do zero, e com pouco tempo restante para sua concepção. A equipe precisava de ajuda. De alguém para dar alma aos personagens e à história.

O projeto viria a ser o primeiro filme Disney a concorrer ao Oscar® de Melhor Filme e é considerado até hoje como o filme mais no estilo Broadway já produzido pelos estúdios, A Bela e a Fera (1991).

Lembram-se do número musical ‘I want’? Em A Bela e a Fera esse número é a canção que abre o filme, Belle“. Howard estava extremamente apreensivo em apresentar o que tinha planejado aos executivos Disney.

Será que eles achariam loucura o filme se iniciar com um número musical de quase sete minutos? Sabemos bem que todos adoraram e mantiveram a canção no filme.

“I want adventure in the great wide somewhere. I want it more than I can tell. And for once it might be grand to have someone understand.I want so much more than they’ve got planned.”

“Belle (Reprise)”

Howard era um gênio. E, como a maioria deles, não era a pessoa mais fácil para se trabalhar. Ele sabia exatamente como queria que suas músicas fossem executadas e poderia argumentar eternamente com o diretores para defender seus pontos de vista.

Sua experiência no teatro fez com que ele exigisse o máximo que os atores podiam oferecer. Graças às suas orientações constantes, percebemos a arrogância quando Gaston canta, Bela sabe qual notas alterar para nos emocionar e a Fera consegue cantar de maneira contida para mostrar seu lado humano.

Howard Ashman cantando “Be Our Guest“:

https://youtu.be/cgstehGRBgQ

“New and a bit alarming… Who’d have ever thought that this could be… True, that he’s no Prince Charming but there’s something in him that I simply didn’t see.”

“Something There”

Sua sensibilidade e intuição também podiam ser tudo o que uma história precisava para se completar. Ao perceber que os diretores não sabiam qual cena criar para fazer os dois protagonistas se apaixonarem, ele escreveu “Something There”.

O sucesso do filme superou as telas de cinema e foi adaptado para os palcos, se tornando um fenômeno na Broadway. “Mas as pessoas pagaram para ver a mesma história e ouvir as mesmas músicas?“, talvez você se pergunte.

Os espectadores das peça tiveram a oportunidade de ouvir ao vivo outras canções escritas por Alan Menken e Howard Ashman, descartadas ao longo da produção, como “Human Again” – adicionada, em 2002, à animação em uma edição especial lançada para Home Vídeo.

Algumas delas devem estar presentes na readaptação com atores, que estreia em 16 de Março de 2017 no Brasil. Não será maravilhoso ouvir os versos de Ashman mais uma vez sendo cantados em uma sala de cinema?

Human Again“:

Infelizmente, todo o sucesso de A Bela e a Fera nos cinemas e no teatro não pôde ser visto por Howard. Após receber a estatueta do Oscar® por Melhor Canção Original com “Under The Sea” e voltar a Nova Iorque, ele contou para Alan Menken sobre sua doença. O letrista era portador do vírus HIV.

Ele não queria que nada mudasse e continuou compondo até o fim, mantendo sua doença em segredo durante toda a produção de A Bela e a Fera. Porém, quando o filme estava quase todo terminado, ficou gravemente doente e teve que ser internado.

Em um belo gesto, a equipe organizou para que Howard pudesse assistir, no hospital, à versão inacabada de A Bela e a Fera. Diagnosticado com AIDS, o letrista faleceu aos quarenta anos, no dia 14 de Março de 1991.

Ashman nunca se casou, mas possuía um parceiro de longa data, Bill Lauch. Bill recebeu o Oscar® póstumo dado a Howard pela Melhor Canção Original, “Beauty and the Beast“.

“Tale as old as time… True as it can be… Barely even friends, then somebody bends unexpectedly.”

“Beauty and the Beast”

Antes de falecer, porém, Ashman se envolveu com um último projeto: a animação Aladdin. E apesar de não ter tido a oportunidade de terminar a trilha sonora, escreveu belas canções como “Proud of Your Boy” que, apesar de não estar presente no filme, foi adicionada à versão dos palcos da Broadway.

Em 2014, mais de vinte anos após sua morte, Ashman recebeu outro prêmio póstumo. Dessa vez, um Tony Award de Melhor Trilha Sonora pela adaptação teatral de Aladdin. Ele já havia sido nomeado para um Tony postumamente, em 2008, pela adaptação para os palcos de A Pequena Sereia.

Howard Ashman cantando “Proud of Your Boy“:

Além de Oscar, Globos de Ouro e Tony Awards, Howards Ashman também recebeu, em 2001, um dos prêmios mais especiais oferecidos pelos estúdios: ele se tornou um Disney Legend.

Em apenas três filmes, Ashman moldou os musicais Disney como os conhecemos atualmente e amamos. Criou belos versos enquanto lutava pela vida e nos faz lamentar profundamente sua partida.

Sobre Howard Ashman:

Como podemos não nos perguntar o que mais ele poderia ter criado se tivesse tido mais tempo? Como seria sua versão de Aladdin? E se você quer ouvir mais algumas de suas músicas, escute a nossa playlist O Melhor de Howard Ashman no Spotify!

Que em 2017 suas canções nos emocionem novamente nos cinemas. Que as novas gerações se encantem com suas criações assim como tantos de nós nos encantamos décadas atrás. Obrigada, Howard!

Escrito por Caroline

Designer Gráfico, Disney freak, viciada em café, quer ser roteirista e princesa quando crescer. Têm mais livros do que deveria e leu mais vezes “Orgulho e Preconceito” do que têm coragem de admitir.

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