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Walt nos Bastidores | Crítica de Fã para Fã

 

Diferente do que o título nacional sugere, “Walt nos Bastidores de Mary Poppins” não se trata de um longa-metragem sobre a produção de outro, tampouco o fundador do Império Disney é o personagem principal e o centro das atenções. É, na verdade, sobre a mente por trás da criação da babá mais encantadora, a escritora P. L. Travers – personificada em um trabalho estupendo de Emma Thompson.

Ao iniciar o filme com a pequena Travers – chamada de ‘Ginty’ por seu pai, o banqueiro Travers Groff (Colin Farrell) – sentada no jardim de sua casa, enquanto a clássica citação “Winds from the east…” ecoa, percebe-se de imediato que, nos minutos seguintes, será retratada a jornada emocional da autora e o que vai acontecer já aconteceu outrora.

Assim, a intenção das roteiristas Kelly Marcel e Sue Smith fica estabelecida e cria-se a base para o principal pilar e coração desta cinebiografia: a intensa relação paternal entre a escritora e seu pai, e como isso a afeta em sua vida adulta.

Sem dinheiro e se recusando a escrever novos livros, Travers é convencida a aceitar o insistente convite de Walt Disney – em mais uma soberba atuação de Tom Hanks – para visitar Los Angeles e desenvolver um filme baseado em sua tão amada personagem. A ideia, no entanto, tem origem no pedido feito vinte anos atrás pelas filhas de Disney, que teriam se encantado – e o levaram a se encantar também – com a praticamente perfeita babá.

 

 

Intercalando as duas linhas temporais, o diretor John Lee Hancock contrapõem aquela doce e sonhadora garotinha com sua versão futura, uma amargurada, rancorosa e exigente mulher. No entanto, embora a ideia seja interessante, em alguns momentos, ela se mostra falha e acaba por diminuir o impacto de certas cenas ou por dividi-las desnecessariamente. Em contrapartida, esta mesma escolha acentua e auxilia na construção das emoções que estão tentando refletir em outras cenas, a exemplo de quando os irmãos Sherman cantam “Fidelity Fiduciary Bank”.

A direção de Hancock, entretanto, se perde em alguns poucos pontos da projeção, pendendo para um lado excessivamente melodramático, o que causa uma reação contrária no público e cria uma aura de irrealidade. Apesar disso, o diretor realizou um excelente trabalho com os atores, realçando seus desempenhos.

 

 

Thompson interpreta Travers de forma voraz e, ao mesmo tempo, com candura, expressando muitíssimo bem essa dualidade vivida pela autora, até no mais singelo olhar. Sua performance – injustamente ignorada pelo Oscar® – é tão surpreendente que consegue ofuscar qualquer outro com quem esteja dividindo a tela. Embora seu tom de voz seja mais agudo do que o de Walt Disney, Tom Hanks, que inclusive deixou crescer seu próprio bigode, soube muito bem captar as particularidades do excêntrico visionário, sem torna-lo uma caricatura ou imita-lo.

Os demais membros do elenco também estão bastante confortáveis em seus papéis, com destaque para Farrell, que igualmente vive alguém ambíguo, e Paul Giamatti, o único a interpretar um personagem ficcional: o motorista Ralph, o qual favorece imensamente à humanização de Travers, com uma delicada subtrama.

 

 

Outro fator notável na produção, é o paralelo traçado entre Travers, Walt e suas respectivas criações, e o quanto elas representam para ambos. Não são apenas um camundongo e uma babá, mas uma parte essencial deles, uma família idealizada. A cena em que Walt revela à autora um dos motivos de querer transformar o livro em um filme é tocante, e demonstra muito da personalidade do pioneiro das animações.

 

 

Conquanto possua muitos pontos favoráveis, entre eles a belíssima trilha composta por Thomas Newman e as inúmeras referências ao universo Disney, o desfecho proposto deixa a desejar. Além de ignorar elementos da construção e desconstrução de Travers, o embate entre esta e Walt Disney, durante os anos de produção, e que desgastou a relação da dupla e a transformou em uma persona non grata na première, é ocultado dos espectadores, deixando uma sensação de incompleto.

Sem se ater muitos aos pormenores da excruciante produção de “Mary Poppins”, “Walt nos Bastidores de Mary Poppins” é uma história de dupla redenção. Travers cria a babá para salvar uma representação de seu pai, enquanto Walt Disney tenta derrubar os muros erguidos pela escritora para salva-la de si mesma. O resultado final é agradável, porém, destoa tanto da realidade quanto a comicidade exalada por Travers.

 

Escrito por Lucas

Um grande aficionado por cinema, séries, livros e, claro, pelo Universo Disney. Estão entre os seus clássicos favoritos: "O Rei Leão", " A Bela e a Fera", " Planeta do Tesouro", "A Família do Futuro" e "Operação Big Hero".