Lucas 
Grey’s Anatomy está no ar há mais de dez anos, mas por quanto tempo mais continuará? À época de seu lançamento, a série se tornou um sucesso absoluto e fazia parte do trio de ouro da ABC, emissora da The Walt Disney Company, junto a Desperate Housewives (2004-2012) e LOST (2004-2010). Até hoje se mantém como um dos carros-chefe do canal em termos de audiência ou não teria alcançado à impressionante marca de duzentos episódios.
How to Save a Life, o episódio da última quinta-feira, 23 de Abril, chocou o público ao matar Derek Shepherd, o grande amor da vida de Meredith Grey, em um acidente de trânsito. Porém, era realmente necessário que esse fosse o desfecho do personagem vivido por Patrick Dempsey? Bom, as opiniões se dividem quanto isso. Alguns acreditam ser a única forma de tirar o personagem do seriado, enquanto outros pensam ser apenas outra catástrofe gratuita e vazia em si mesma.
Shonda Rhimes, a criadora do programa, já se tornou conhecida entre os espectadores por ter uma mão pesada quando se trata de tragédias. É uma série médica e há fatalidades acontecendo a todo tempo, afinal. O que intriga é o fato dos médicos serem tão vítimas disso quanto os pacientes. Meredith Grey (Ellen Pompeo) poderia se considerar uma imortal nessa altura do campeonato. Sobreviveu a afogamento, bomba, tiroteio, queda de avião, viu a mãe sofrer de Alzheimer e morrer. E a lista segue.
Além dela, diversos outros personagens sofreram as consequências da crueldade de Rhimes. Arizona perdeu a perna; Cristina foi perfurada por um pedaço de gelo; Izzie teve câncer no cérebro; Callie bateu o carro durante a gravidez; Richard e Heather foram eletrocutados dentro do próprio hospital, e a última não resistiu; George morreu atropelado por um ônibus; Lexie e Mark passaram dessa pra melhor em uma queda de avião. Não foi à toa que apelidaram o hospital de Seattle Grace Mercy Death.
E agora foi a vez de Derek terminar a sua jornada. O personagem estava lá desde o primeiro episódio e sua história de amor com Meredith começou logo ali. Durante esses onze anos, foram términos, retornos, traições, casamento em post-it, brigas, casa feita com velas, casamento civil, adoção, gravidezes, casa real. Basicamente uma história de vida como outra qualquer. Então, um acidente automobilístico não soaria como um final apropriado à sua trajetória, visto que a vida é imprevisível? Claro, mas isso não aconteceu, pelo simples fato do recurso já ter sido usado à exaustão e terem o repetido com o intuito de chocar.
Ao se analisar com um pouco mais de atenção, observamos que havia alguns sinais da saída do personagem. E o simples fato de ser o primeiro episódio escrito por Rhimes desde Flight, em que acontece a famigerada queda do avião, já anunciava que mais uma tragédia estava a caminho. A narração inicial de Grey já deixa clara qual a intenção da roteirista. Nos quarenta minutos seguintes, vemos uma disputa de queda de braço entre a criadora da série e o público, mas o destino do personagem já estava selado e todos sabiam quem seria o vencedor. Não havia nada a ser feito.
Facebook, Twitter, Tumblr e outras redes sociais foram invadidas por inúmeras mensagens revoltadas, inflamadas de ódio e raiva, com pessoas ameaçando (muitas de forma vazia) o abandono da série. A autora, porém, parece seguir pela linha do “falem bem, falem mal, mas falem de mim”. E o que menos importa para ela é a coerência textual do que está criando. Derek foi sacrificado a fim de que se gerasse uma imensa comoção e Grey’s Anatomy estivesse entre os assuntos mais comentados mais uma vez. O efeito desejado foi alcançado e, por isso, ela merece uma salva de palmas.
Derek perdera a sua relevância nos roteiros muito tempo atrás. E na temporada atual, esteve ausente em mais de cinco episódios, logo sua falta não será tão sentida. O New York Post, três dias antes do episódio ir ao ar, noticiou que o tempo de Dempsey no programa poderia estar acabando, devido aos seus ataques de estrelismo nos bastidores, ainda que o ator tivesse mais um ano de contrato pela frente. A morte do personagem, então, teria sido reflexo disso.
Retirando o carinho e afeição do público por McDreamy, resta apenas um episódio vazio e sem qualquer emoção verdadeira. Ao se comparar com All I Could Do was Cry, o décimo primeiro episódio da temporada atual, totalmente centrado em April Kepner e seu bebê, se vê a grande discrepância. Ali, também já se conhecia o resultado final, a diferença foi a forma como a equipe desenvolveu a trama. Aqui, tudo soou como uma brincadeira infantil de morto-vivo. Enquanto roteirista, Rhimes não merece elogio algum.
No ano passado, aconteceu um fato semelhante em The Good Wife, série do canal CBS. Um dos personagens principais também se tornou uma vítima de uma tragédia sem sentido. O intuito era o mesmo, chocar e comover a quem assistia. O ator optou por se desligar do seriado e esse era o melhor caminho para encerrar sua trama sem prejudicar o desenvolvimento geral. O episódio começa como outro qualquer e apenas no terceiro ato ocorre a reviravolta, sem qualquer alarde e sem que ninguém esperasse, do mesmo modo que ninguém espera um acidente acontecer.
Em How to Save a Life, não há surpresas. Todos os elementos – desde a direção até a trilha – anunciam que algo ruim está prestes a acontecer. Com a mesma facilidade com que reveste Derek em um manto de super-herói, ao resgatar quatro pessoas de uma batida, Rhimes o transforma em um João Ninguém e o aniquila através de uma morte cerebral, deixando Meredith com a responsabilidade de desligar os aparelhos que o mantém vivo.
Qual a mensagem real por trás disso tudo? A vida é irônica, afinal um neurocirurgião renomado sofreu morte cerebral nas mãos de um grupo de médicos incompetentes? Ou seria Shonda Rhimes irônica, por matar o personagem de Patrick Dempsey, cujo um dos hobbies é justamente corridas automobilísticas, ao realizar uma “manobra” errada em uma rodovia? O intuito seria criticar o uso do celular enquanto se dirige ou apontar a falta de preparo de alguns médicos? Possivelmente, nunca saberemos a resposta certa.
