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Clássicos na Crítica | A Família do Futuro

Aqui, no entanto, nós não olhamos para trás por muito tempo. Nós continuamos seguindo em frente. Abrindo novas portas e fazendo coisas novas, porque somos curiosos… E a curiosidade continua nos conduzindo por caminhos novos.

~ Walt Disney

O quadragésimo-sétimo longa-metragem produzido pelo Walt Disney Animation Studios é também o segundo a ser desenvolvido inteiramente a partir de computação gráfica, encerrando a hegemonia da animação feita à mão, que predominou por quase sete décadas completas no estúdio. “A Família do Futuro”, lançado originalmente em 2007, trata de uma temática bastante popular e sobre a qual existem inúmeras e diversificadas produções: viagens no tempo.  No entanto, estas não são o cerne da animação e não passam de um pano de fundo para contar uma história muito mais bonita.

Lewis é um garoto órfão de onze anos cujo maior sonho é encontrar uma família para si. O garoto, porém, possui uma inteligência acima da média e uma incrível habilidade de construir curiosas e amalucadas invenções – algumas delas, como era de se esperar, não funcionam perfeitamente. Esse dom combinado ao jeito desastrado do menino acabam por afugentar possíveis pais adotivos, incapazes de enxergar o verdadeiro brilho de Lewis, o que resulta em cento e vinte e quatro entrevistas frustradas.

Assim, Lewis decide que tentar encontrar sua mãe biológica seria sua melhor opção de realizar o seu sonho, e para descobrir quem ela é, passa a se dedicar à invenção de um escaneador de memórias, a fim de recuperar a única lembrança que possui dela. Quem sofre as consequências dessa decisão é Goob, seu companheiro de quarto no orfanato, que é forçado a passar as noites em claro, algo bem evidente através de suas profundas olheiras, enquanto Lewis dedica-se a acessar o hipocampo com seu “projeto idiota”.

O órfão termina sua invenção a tempo de apresentá-la durante a feira de ciências escolar, a qual tem o patrocínio de uma importante empresa de tecnologia, mas sem a oportunidade de testá-la antes da exibição. Na feira, Lewis conhece Wilbur Robinson, um suposto agente da FTTC (Força Tarefa Tempo Continuum). Wilbur veio do futuro para alertá-lo de que um misterioso homem conhecido como Cara do Chapéu Coco estaria atrás do leitor de memórias. Ignorando o aviso e sem o conhecimento da sabotagem do Chapéu Coco, Lewis prossegue e sua apresentação é um desastre. Revoltado, ele corre de volta ao orfanato, onde mais uma vez encontra Wilbur, disposto a fazê-lo consertar o invento e voltar à feira.

Para convencê-lo disso e provar que realmente veio do futuro, Wilbur o leva em uma viagem no tempo para a Todayland – em uma clara alusão à Tomorrowland, dos Parques Disney –  onde o principal meio de transporte público são bolhas de sabão gigantes e prédios são construídos de forma instantânea. Todavia, o plano dá errado e Lewis, ao invés de restaurar o seu projeto, pretende encontrar sua mãe utilizando a máquina do tempo, que colide com o chão em meio à discussão da dupla a respeito de qual caminho seguir.

Enquanto o Cara do Chapéu Coco tenta vender o escaneador de memórias como uma invenção própria, Lewis se dirige à casa dos Robinsons para reparar a máquina do tempo. Lá, ele conhece Carl, um robô de verdade, que se apavora ao encontrá-lo. Wilbur, então, explica que seu cabelo entrega o jogo e revela que ele é do passado. Usando um chapéu de frutas, Lewis acaba encontrando os integrantes da família, cada um mais excêntrico do que o anterior, e isso inclui um avô que usa roupas ao contrário, um tio “super-herói” entregador de pizza,  uma tia “mala” e um cachorro que usa óculos, pois o plano de saúde não cobre lentes de contato.

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A metáfora aqui é notória. Os Robinsons, além de representarem o progresso, simbolizam igualmente a felicidade. Cada um deles sente-se livre para perseguir seus sonhos e concretizá-los, quer isso signifique ensinar música aos sapos, seja mandar ver na cozinha, vestir suas roupas ao contrário ou se arremessar de um canhão em uma disputa com um trem gigante de brinquedo. Essa necessidade de encontrar o que os fazem felizes se tornou a filosofia de vida desta curiosa família, sem importar-se com os julgamentos e opiniões alheias ou, se aos olhos da sociedade, isso os fazem ser taxados como estranhos. Isso, obviamente, faz com que Lewis sinta-se acolhido naquele ambiente e com que seu deseje de ter uma família similar àquela cresce ainda mais.

Fracassando se aprende. Com o sucesso, não se aprende.

~ Tia Billie

Baseado livremente no livro escrito por William Joyce, autor das obras que inspiraram “A Origem dos Guardiões” (2012) e “Reino Escondido” (2013), “A Família do Futuro” tem na direção Stephen J. Anderson, que também roteirizou “Tarzan” (1999), “A Nova Onda do Imperador” (2000) e “Irmão Urso” (2003). Anderson estabelece um ritmo dinâmico à narrativa e utiliza sua experiência como roteirista para criar uma obra divertida, empregando piadas em cima de piadas – a cena de jantar em família, com a guerra de almôndegas é divertidíssima, e o mesmo pode ser dito dos planos elaborados pelo Cara do Chapéu Coco.

O Cara do Chapéu Coco, aliás, constitui um dos melhores personagens da trama. Seu visual grotesco e caricatural, com dentes estragados, bigode, nariz grande e chapéu, remete aos vilões de outrora, entre eles o Dick Vigarista, enquanto seus trejeitos se assemelham aos de Gaspar e Horácio, os capangas de Cruella de Vil. É impossível não simpatizar com sua figura ou deixar de gargalhar com suas ideias tolas e sua infantilidade, que, tal qual uma criança, cruza os dedos no momento de prometer algo.

Apesar de sua comicidade, o personagem serve para se contrapor ao arco de Lewis. A principal – e bela, diga-se de passagem – mensagem do longa-metragem é esquecer o passado e seguir em frente, com base em uma das mais célebres frases de Walt Disney, disposta logo no início desta crítica e ao final do filme. A trajetória de Lewis, de certo modo, é espelhada na de Walt Disney, um ambicioso e sonhador entregador de jornais, o qual se tornou um dos maiores nomes da história, por aprender com os erros e se arriscar sem medo. Goob, por sua vez,  representa o oposto disso. Em vez de se dedicar e tentar melhorar, o aspirante a jogador de beisebol opta por focar-se em um erro isolado e construir todo o seu futuro a partir disso, culpando Lewis por ter arruinado a sua vida e por fazer, segundo ele, todos os seus amigos o odiarem. Logo, ele canaliza sua raiva e decepção na procura do plano perfeito de vingança.

O enredo é bastante simples e, conforme mencionado anteriormente, as viagens no tempo não são o principal atrativo da produção, o grande objetivo da equipe era de fato transmitir uma simples e bonita mensagem, enfatizada desde os primeiros minutos. As pistas deixadas no decorrer do longa-metragem, como a menina com os sapos, também evidenciam isso, além de auxiliarem a mapear e decifrar os eventos futuros, sem que soem óbvios. “A Família do Futuro” é um longa-metragem despretensioso sem ambicionar ser aquilo que não é, e portanto, o resultado final não decepciona.

Lewis: Então, se eu voltar agora, esse vai ser o meu futuro.
Cornelius: Bom, vai depender de você. Nada está definido. Você tem que fazer as escolhas certas, e aí, então, seguir em frente.

À época de seu desenvolvimento, a The Walt Disney Company acabara de adquirir o Pixar Animation Studios e, como parte do acordo, John Lasseter assumiu a direção criativa dos estúdios de animação do conglomerado. Essa decisão beneficiou o projeto. Insatisfeito com uma versão prévia, Lasseter listou os principais defeitos do roteiro e mais da metade do longa-metragem foi retrabalhada, com a alteração do final original, assim, a data de estreia precisou ser adiada de 2006 para o ano seguinte.

Entretanto, se o texto colheu bons frutos dessa parceria, o mesmo não pode ser dito da qualidade da animação. Comparando com o clássico que o antecede na cronologia de lançamentos – “O Galinho Chicken Little” (2005) -,  a evolução é nítida, porém, em relação aos produzidos pelo estúdio do Luxo Jr. naquele período ou mesmo aos longas-metragens mais recentes da casa, a diferença é brutal. Os cabelos dos personagens, por exemplo, não possuem movimentação alguma, assim como a ausência de texturas nas roupas também é bem perceptível.

O mais notável acaba por ser os figurantes, os quais, na maioria das cenas, se comportam como bonecos de cera. A cena da feira de ciências exemplifica essa questão. Diversos dos estudantes ali presentes permanecem estáticos, sem qualquer interação com o ambiente. As cenas noturnas fazem igualmente a qualidade decair, conferindo uma plasticidade aos personagens e aos cenários. Todavia a equipe soube diferenciar excepcionalmente as linhas temporais, enquanto o presente usa formas retangulares e tons mais sóbrios, o futuro está repleto de círculos e curvas combinados às cores mais alegres e vibrantes, concedendo uma atmosfera diferenciada a ambos e uma esperança de que existe um grande e brilhante amanhã ao final de cada dia.

Danny Elfman, cujos inúmeros créditos englobam “O Estranho Mundo de Jack” (1993), “Alice no País das Maravilhas” (2010) e “Frankenweenie” (2012),  é o responsável pela trilha sonora. Embora não desaponte, suas composições instrumentais não apresentam nada de inovador ou memorável. As canções “Mais uma Chance” e “Pequenas Maravilhas”, por outro lado, além de boas letras, ajudam a avançar a trama sem a necessidade de diálogos.

A Família do Futuro” é um exemplo de como uma história bem contada, interessante e com uma importante lição de moral pode sobrepujar diversos defeitos, em especial os aspectos visuais. No entanto, ainda paira a dúvida do quanto se beneficiaria caso fosse produzida com animação tradicional ou mesmo com a computação gráfica atual. Simplificando, a animação tenta nos sensibilizar quanto às nossas escolhas e decisões e ressaltar a importância de se tirar o peso dos ombros, deixar ir e seguir em frente.

Deixa ir, tire o peso dos seus ombros pra seguir, sem se lamentar dos tombos. Deixa entrar essa luz que te define. No final, ficarão somente as recordações. No lugar das angústias, põe a luz que vai brilhar, envolver a tua vida. Tudo bem, se pra mim você se volta, eu já sei, sentimento prevalece no final. A vida se faz com essas horas, pequenas maravilhas, na voz do coração. Mundos se vão, mas essas horas, breves horas, ficarão. Tudo que eu errei as águas vão levar, mas eu agora sei que estou no meu lugar…

~ Canção “Pequenas Maravilhas

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Escrito por Lucas

Um grande aficionado por cinema, séries, livros e, claro, pelo Universo Disney. Estão entre os seus clássicos favoritos: "O Rei Leão", " A Bela e a Fera", " Planeta do Tesouro", "A Família do Futuro" e "Operação Big Hero".