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Biblioteca da Fera | Resenha do livro Peter Pan

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Alguns livros se tornam clássicos por serem adorados por intelectuais e críticos da área. Outros se tornam best-sellers, pois são amados pelo grande público adolescente e infantil.

Há ainda aquelas obras são eternas por poderem ser lidas em diversos momentos diferentes da vida de uma mesma pessoa. E, a cada vez, passará uma mensagem diferente. São feitas de camadas. Quanto mais velhos ficamos, mais profundamente entendemos seus personagens e eventos.

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Todas as crianças, exceto uma, crescem.

J. M. Barrie

Uma dessas obras já foi adaptada para o teatro e para os cinemas inúmeras vezes, tendo sua versão animada Disney lançada em 1953. A animação é um dos tesouros dos estúdios e continua encantando gerações. Neste mês, iremos falar sobre Peter Pan, de J. M Barrie.

A obra Peter Pan já é considerada pela maioria como domínio público. Sendo assim, vocês podem encontrar diversas versões do texto em formato PDF. É especialmente fácil de se encontrar o livro em sua língua original, o inglês. Aliás, recomendo que, se possível, o leia em seu idioma original já que o texto foi construído com diversas metáforas e brincadeiras linguísticas.

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A versão que tenho em minha estante é da editora Harper Collins Publishers. É, definitivamente uma edição para colecionadores ou apaixonados pela obra. Sua capa dura e letras douradas fazem com que o livro pareça pertencer a uma antiga e mágica biblioteca.

Além de sua bela capa, há diversas ilustrações e materiais extras ao longo das 250 páginas, criadas pela ilustradora Minalima. A artista é famosa por ter criado o design de vários produtos para os filmes e livros da franquia Harry Potter.

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Seria difícil encontrar alguém que não conheça a história de Peter Pan, o menino que não queria crescer, da fada Sininho, do Capitão Gancho, de Wendy e seus irmãos na Terra do Nunca.

Se você faz parte desse seleto grupo que nunca ouviu ou leu nenhuma versão da história, fique sabendo que o invejo imensamente, pois está prestes a conhecer um mundo mágico como nenhum outro. E nada se compara à primeira vez.

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O livro conta a história da menina Wendy que, com treze anos, descobre seu terrível destino: crescer. Porém, ela terá a chance de viver uma última aventura como criança, quando Peter Pan a busca e a leva voando com seus irmãos, João e Miguel, para a Terra do Nunca.

A ilha é um lugar repleto de coisas que parecem ter saído direto da imaginação de uma criança como lagos com sereias, tribos de índios, fadas com pó mágico e piratas. Vendo na ilha um modo de nunca se tornar adulta, assim como Peter, irá Wendy voltar para Londres?

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Segunda estrela à direita e, então, direto até amanhecer.

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Há inúmeras diferenças entre a versão original, e a versão animada por Walt Disney. A impressão que tenho é que as duas obras miraram públicos diferentes. Enquanto Disney se preocupou em simplificar a história para entreter crianças, Barrie almejou colocar um pouco de si na narrativa. O que tornou a obra extremamente atrativa também para adultos.

Sir James Matthew Barrie é um escocês, que nasceu dia 09 de Maio de 1960, e nos deixou, após contrair pneumonia, no dia 19 de junho de 1937. Ele era mais conhecido por seu trabalho como dramaturgo e seus principais sucessos vieram quando Barrie já trabalhava em Londres.

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Foi na capital que conheceu Llewelyn Davies e seus filhos. Os dois se tornaram grandes amigos e, mesmo sendo casados com outras pessoas, frequentavam cotidianamente a casa um do outro. É de conhecimento de todos que a família o inspirou para criar Peter Pan e seu universo.

Após a morte de Llewelyn, o escritor praticamente criou os meninos como seus próprios filhos. A famosa estátua de Pan, localizada no parque Kensington Gardens, foi inspirada em um dos filhos de Llewelyn, Michael, vestido como o personagem.

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A peça de Peter Pan é definitivamente seu trabalho mais famoso, e estreou nos palcos ni dia 27 de dezembro de 1904. O roteiro, porém, foi adaptado para o formato romance apenas em 1911.

A roda de amigos de Barrie era cheia de escritores famosos como Robert Louis Stevenson (A Ilha do Tesouro), H. G.Wells (Guerra dos Mundos) e Sir Arthur Conan Doyle (As Aventuras de Sherlock Holmes). Ele também convivia com o Duque de York, futuro rei George, e suas filhas Elizabeth, a futura rainha, e Margareth, para quem contava histórias.

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A diferença entre ele e os outros meninos é que os outros sabiam que era tudo faz de conta, enquanto para ele, faz de conta e realidade eram exatamente a mesma coisa.

J. M. Barrie

A história de Barrie está cheia de momento polêmicos, como seus desentendimentos com suas esposa e seu quase divórcio, e doces, como sua amizade com Llewelyn e o relacionamento com os meninos Davies. Se você se interessou pelo autor irá gostar da cinebiografia Em Busca da Terra do Nunca (2004), estrelada por Johnny Depp e Kate Winslet.

Agora que já conhecem um pouquinho sobre a trama e o autor, vamos conversar sobre toda a história e suas principais diferenças quando comparada com a animação. Então, cuidado com os spoilers!

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O livro é dividido em dezessete capítulos, e começa em Londres, quando Peter Pan vem buscar sua sombra que ficou presa na casa dos Darling. Como já mencionei anteriormente, o livro traz uma história muito semelhante a contada na animação Disney. E, ao mesmo tempo, totalmente diferente. Os acontecimentos são iguais, mas há mais camadas na versão do livro.

Antes de Peter chegar, por exemplo, temos algumas páginas onde conhecemos melhor os Darlings. Aprendemos como o senhor e a senhora Darling se conheceram, por exemplo. Assim, nos identificamos mais com os adultos, eles não são mais as criaturas estranhas que partem para uma festa e deixam seus filhos com sua babá cachorro.

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É interessante notar que Barrie ressalta em diversos momentos as virtudes de uma mãe. Aliás, esse acaba sendo um tema recorrente durante todo o livro.

Após Peter entrar pela janela, e recuperar sua sombra, temos uma das cenas mais adoráveis do livro e quase deixada de lado na animação, mas muito bem retratada no filme Peter Pan (2003): a cena do beijo.

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Wendy oferece um a Peter mas, ao perceber que ele ainda não sabe o que é um beijo, a menina lhe entrega apenas um dedal. Em retorno, ele lhe entrega uma avelã que Wendy passa a usar todo o tempo. Esse simples momento mostra a inocência por parte dos dois, principalmente por Peter. Não estamos lendo sobre crianças geniais. Apenas sobre crianças.

E é justamente por Peter ser uma criança que seu motivo para ter fugido para a Terra do Nunca é tão simples: ele ouviu seu pai dizendo o que aconteceria quando crescesse, que teria de trabalhar e ter barba, e se recusou a se tornar homem.

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Entenda, Wendy, quando um bebê ri pela primeira vez, sua risada se quebra em milhares de pedaços e é assim que surgiram as fadas.

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Creio que quase todos nós, em certo ponto da vida, pudemos nos identificar com o personagem. Ainda na cena do quarto, podemos conhecer a fada Sininho. Sua personalidade é praticamente a mesma do desenho clássico, geniosa e, por vezes, má. Tão diferente da vista em sua franquia atual do DisneyToon Studios. Nesse livro, descobrimos a singela origem das fadas nesse mundo: as risadas de bebês. Em contrapartida, uma fada morre cada vez que uma criança diz que não acredita mais nelas.

Antes que Peter volte voando para a Terra do Nunca, Wendy implora para ir junto. Ela diz que sabe muitas histórias e que poderá contá-las aos meninos perdidos. Seduzido pela ideia de levar uma mãe para a ilha, Pan ensina a garota e seus irmãos a voar. Basta terem pensamentos felizes, claro. No livro, eles não precisam de pó mágico algum.

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Vale apontar que o nome Wendy não era nada comum na época. De certo modo, nem existia. Porém, após a publicação da obra, o nome se tornou extremamente popular.

Quando as crianças se aproximam da ilha encantada, descobrimos mais uma coisa: quem dá vida ao lugar, é o próprio Pan. Se ele está triste, a ilha se entristece. Se ele está longe, ela morre aos poucos. Ele é a Terra do Nunca. Esse detalhe torna tudo ainda menos palpável se comparado à animação.

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Não demora muito para conhecermos os meninos perdidos. Eles são crianças abandonadas pelas mães ou que fugiram de suas casas. Peter os deixa ficar na ilha se seguirem uma única regra: nunca crescer.

Essa não é uma tarefa difícil, já que com o tempo, todas as crianças esquecem suas vidas anteriores, incluindo suas mães. O grupo de seis meninos se veste com pele de animais e segue peter Pan como se fosse seu verdadeiro chefe.

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Nas páginas seguintes, conhecemos Smee, o braço direito de Capitão Gancho, e seus outros bucaneiros. James Hook, é outro personagem que ganha novas dimensões em sua versão literária. Disney o transformou em um vilão caricato, nos deu poucos motivos para simpatizarmos ou temê-lo por completo.

Nas próximas páginas, porém, podemos ver que ele era um adulto frustrado, cujo o ódio por Peter Pan não vem do fato de ter perdido sua mão para um crocodilo, mas por ver no garoto algo que jamais poderia ser ou ter: juventude, alegria.

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“Eu sou juventude. Eu sou alegria.”

Capitão Gancho

Voltando às crianças… Assim como no desenho, Sininho engana os meninos e faz com que atirem em Wendy. A garota é salva, porque a flecha que acertaria seu coração atinge a avelã que recebeu de Peter.

Os meninos perdidos levam a moça e seus irmão para o abrigo subterrâneo, cuja as entradas ficam em troncos e árvores. Uma vez lá embaixo, Wendy começa a cuidar dos meninos como se fossem seus filhos. Ela limpa, cozinha, briga, conta histórias, dá remédio… Aos poucos, eles começam a esquecer sua verdadeira mãe.

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Após a chegada de Wendy à ilha, Peter começa a agir como se fosse o pai de todos os meninos. E ele realmente acredita que toda a situação é real o que torna sua situação digna de pena. O garoto, por vezes, deixava o grupo sozinho por dias e voltava contando aventuras fantásticas. Algumas reais, outras apenas fruto de sua imaginação.

Peter esquece com rapidez tudo o que acontece consigo e, assim, cria uma realidade só sua. Enquanto a animação de 1953 o mostra como um ser mítico, aqui vemos uma criança confusa e assustada.

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O tempo passa, embora não possamos saber como o tempo funciona na Terra do Nunca, e João e Miguel nem ao menos se lembram que algum dia moraram em Londres. Mas Wendy, sim. Ela conta histórias de suas vidas no mundo real, sempre descrevendo sua mãe com ternura e enaltecendo suas virtudes. E é então que descobrimos o motivo da mágoa de Pan.

Dizem que quando uma criança foge para a Terra do Nunca, sua mãe mantém para sempre a janela de sua casa aberta para que, assim, a criança possa voltar facilmente voando quando quiser.

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Eu nunca quero ser um homem. Quero sempre ser um menino e me divertir.

Peter Pan

A mãe de Peter, porém, a fechou. Quando o garoto decide voltar, é tarde demais pois há outro em seu lugar. Se lembrarmos que não sabemos como o tempo funciona na ilha e que Peter facilmente se esquece de todos, nem ao menos temos certeza de que a mulher que ele viu era realmente sua mãe. A realidade, no entanto, não importa. O que ele acredita é suficiente para que se sinta abandonado e nunca mais queira voltar para aquele mundo.

Outro livro de J. M. Barrie trata com mais detalhes a vida de Peter Pan antes de ir para a Terra do Nunca. A obra se chama Peter Pan: A Origem da Lenda (Peter Pan in Kensington Garden) e, apesar de não ser tão rica quanto a narrativa clássica, enriquece a mitologia do personagem. O torna menos humanos e mais como uma fada ou outra criatura mágica.

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Assim como no desenho, as crianças decidem voltar para suas casas e abandonar a Terra do Nunca. Contrariado, Pan as deixa ir. O grupo é, então, capturado por piratas que, ao perceberem que Pan está sozinho, decidem envenená-lo. Os estúdios Disney, por algum motivo, trocaram o veneno por uma bomba.

O importante é que, nas duas situações, Sininho salva seu amigo. No livro, ela bebe todo veneno, o que causa sua morte. É, então, que temos uma das cenas mais icônicas do livro, ignorada na animação mas belamente mostrada no longa-metragem de 2003. Pan alcança todas as crianças em seus sonhos, e pede que aqueles que acreditam em fadas batam palmas.

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Toda vez que uma criança diz que não acredita em fadas, uma fada em algum lugar caí morta.

J. M. Barrie

Algumas crianças o fazem, outras não. Mas é o suficiente pra trazer nossa fadinha de volta à vida e dar forças ao nosso herói para ir salvar os meninos perdidos e Wendy a bordo do navio de Gancho, o Jolly Roger. Quem seria Gancho no mundo real? O que não falta é material para teorias…

Sabemos pelo livro que esse não é seu nome real, e que ele não o revela para ninguém. Seria Gancho um menino perdido que cresceu? Um adulto amargurado que veio parar naquele lugar de outra forma? Sabemos que ele frequentou a escola um dia, e que ele sente falta do amor de uma criança… Seria ele o pai de alguém que sofreu uma perda terrível?.

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Peter batalha com Hook, gancho contra espada, assim como vimos tantas vezes. E, no fim, o crocodilo que perseguia Capitão Gancho tem seu lanche final. Wendy e seus irmão, agora acompanhados pelos meninos perdidos, então iniciam sua jornada de volta ao lar dos Darlings.

Para a decepção de Pan, o senhor e a senhora Darling esperaram pacientemente seus filhos durante todo esse tempo. E é nessa hora que nós, leitores, precisamos nos lembrar que esse ainda é um livro infantil. E que faz todo o sentido que o casal não tenham chamado a polícia e apenas esperado ao lado da janela seus filhos voltarem voando.

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Peter ainda resiste à ideia de crescer e se tornar um adulto e decide voltar a Terra do Nunca. Esse é um dos momentos mais tocantes, pois Wendy pede que ele fique. Nós torcemos para que ele decida crescer e envelhecer com a garota. Mas, se isso acontecesse, como outras gerações conheceriam a Terra do Nunca?

O garoto promete nunca esquecer Wendy e sempre vir visitá-la. Mas, como já sabemos, ele esquece tudo com muita rapidez. Alguns anos, ele voltou. Em outros, não apareceu. O tempo passou e, quando Peter decide voltar para a casa dos Darling, Wendy já é uma mulher casada e ele se depara com sua filha Jane. E depois com Margareth. E quem sabe quantas outras gerações futuras…

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Morrer será uma grande aventura.

J. M. Barrie

Se quiser saber o que aconteceria se Peter decidisse crescer, corra para assistir ao filme A Volta do Capitão Gancho (1991), estrelado por Robin Williams e Julia Roberts. O roteiro não é baseado em nenhum livro de Barrie, mas é uma excelente história cuja mensagem não ficou datada.

Na maioria das vezes, Disney e sua mentes brilhante são capazes de transformar contos e adicionar elementos de modo a torná-los melhores que suas versões originais. O clássico Peter Pan, para mim, não se encaixa nisso.

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A animação não tem espaço para reflexões ou metáforas, é uma aventura do início ao fim e há pouco para adultos conseguirem se identificar. Enquanto o livro é belamente escrito, sua linguagem nos faz voltar à época na qual ouvimos contos de fadas pela primeira vez.

Percebemos que todos já fomos visitados por Pan quando crianças e ainda o somos constantemente após adultos. Claro que não por um menino sem sombra, mas pela grande dúvida: gostaríamos de nunca ter crescido?

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Valeria a pena trocar todas as preocupações de uma vida adulta por um mundo de faz de conta sem fim, mesmo se isso significasse esquecer de todos ao redor e perder as novas experiências que acontecem com o amadurecimento?

Você, se pudesse, optaria por não voltar da Terra do Nunca? Estou curiosa para saber a opinião de todos vocês! Deixe nos comentários suas opiniões sobre o livro e todos os filmes que envolvem o universo de Pan. Algum favorito?

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Escrito por Caroline

Designer Gráfico, Disney freak, viciada em café, quer ser roteirista e princesa quando crescer. Têm mais livros do que deveria e leu mais vezes “Orgulho e Preconceito” do que têm coragem de admitir.