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Biblioteca da Fera | Resenha do livro A Ilha do Tesouro

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Yo-Ho, Camundongos! Apesar de deixado de lado pela Disney, o filme Planeta do Tesouro (2002) é querido por muitos fãs. Com seu estilo quase steampunk e suas boas músicas, a animação segue a linha de Atlantis: O Reino Perdido (2001) e traz uma trama que foge do padrão dos tradicionais animais falantes e contos de fadas. No entanto, mesmo sendo um roteiro diferente, a história de Jim Hawkins e John Silver não é original.

A animação é uma adaptação do clássico da literatura A Ilha do Tesouro, escrito em 1883, por Robert Louis Stevenson. A obra já é de domínio público. Por isso, qualquer leitor pode encontrá-la facilmente como, por exemplo, instalando o aplicativo Kindle da Amazon e baixando o livro gratuitamente ou por um preço muito baixo.

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Dessa vez, eu optei por ler a versão em sua língua original e tive a feliz surpresa de ver várias palavras arcaicas ou específicas do mundo da navegação sendo explicadas por pequenas anotações do aplicativo enquanto lia. Robert Louis Stevenson nasceu na Escócia, no dia 13 de Novembro de 1850.

O autor escreveu desde bem pequeno. Na verdade, aos oitos anos, já ditava histórias para sua mãe. Isso causou muito orgulho ao seu pai, que também gostava de escrever quando mais novo, ao ponto de pagar para publicar seu primeiro livro quando Robert tinha dezesseis anos. Após se formar em direito, e mesmo tendo o apoio dos pais para se tornar um escritor, ele se desligou de coisas que o ligavam à família, como a religião.

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O autor carregou durante toda a vida uma saúde frágil, e talvez por isso tenha falecido jovem. Em 03 de dezembro de 1894, ele sofreu, provavelmente, uma hemorragia cerebral súbita. Stevenson teve uma vida de fama e sucesso como novelista. Apesar de ter se formado advogado, não trabalhou na área. Ele escreveu diversas aventuras baseadas em suas viagens e grandes romances como O Médico e o Monstro, além de A Ilha do Tesouro. Ele é um dos autores mais traduzidos de todos os tempos.

A Ilha do Tesouro foi primeiramente publicada de forma serial, entre 1881 e 1882, na revista infantil Young Folks. A obra foi relançada como livro um ano depois, em 14 de Novembro 1983, sob o pseudônimo Capitão George North. O livro foi planejado para ser, na época, um livro para meninos. Isto é, nada de escrita rebuscada, aprofundamento na personalidade dos personagens ou mulheres em papéis de destaque.

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A história traz vários elementos, hoje, considerados clássicos em uma história de pirataria, gênero já popular na época, como piratas sem perna; rixas com a marinha espanhola e entre capitães; mapas de tesouros perdidos; aventuras em alto mar; motim; e o sucesso de um bucaneiro sem experiência. Em resumo, o livro conta a história de Jim Hawkins, um garoto inglês de dezessete anos que recebe inesperadamente o mapa do tesouro do Capitão Flint e parte em uma expedição rumo à ilha onde ele está enterrado.

O que parece ser uma missão fácil acaba se tornando uma grande aventura quando o cozinheiro da tripulação, John Silver, se revela um pirata e lidera um motim, tomando o navio para si. A versão Disney molda o seu roteiro inteiramente na obra. Porém, como em quase todas as adaptações dos estúdios, há inúmeras diferenças. São, principalmente, sobre esses pontos divergentes sobre os quais iremos falar nessa edição da coluna então, para evitar spoilers, leia o livro primeiro. Mas não deixe de voltar para comentar o que gostou e não gostou.

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“Fifteen men on the Dead Man’s Chest Yo-ho-ho, and a bottle of rum! Drink and the devil had done for the rest Yo-ho-ho, and a bottle of rum!”

Lembrem-se que Biblioteca da Fera é o nosso pequeno clube do livro. Um lugar feito por fãs e para fãs, onde podemos comentar as obras que, de algum modo, inspiraram filmes que amamos, sem nenhuma pretensão de se passar por uma crítica especializada. Sua participação é muito importante e bem-vinda!

A trama começa com Jim trabalhando na hospedaria da família, a Admiral Benbow. No entanto, enquanto no desenho temos uma mãe que cuida sozinha dos negócios da família e de seu filho porque o pai os abandonou, aqui temos um casal unido que cuida do lugar.

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Jim também possui uma personalidade totalmente diferente da retratada na animação, ele não causa confusão alguma. Na verdade, o garoto de dezessete anos se mostra prestativo todo o tempo. Vale notar que é Jim, anos mais velho, quem narra sua aventura no livro. Na animação, vemos Bill, o alienígena que muito lembra uma tartaruga, cair com sua nave praticamente morto e entregar o globo com o mapa nas mãos de Jim. No livro, acompanhamos o período que o pirata passa na estalagem contando suas histórias em alto mar e encantando a todos ao ponto de ninguém reclamar quando o dinheiro do marinheiro acaba.

O homem carrega consigo um segredo, o mapa para o tesouro escondido de Flint. Apesar de pouquíssimo mencionado na animação, Capitão Flint é um dos piratas mais famosos da literatura por suas pilhagens e disputas com a marinha espanhola. Bill era seu amigo, e agora tem a tarefa de proteger o mapa de um certo pirata sem perna. Não demora muito para outros piratas aparecerem em busca do tal mapa.

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Eles atacam a estalagem e a destroem, tudo o que Jim consegue salvar é o pacote que Bill carrega. Dentro, há um mapa feito ao melhor estilo de desenho animado, com cruzes que indicam o local do tesouro. Há também um livro, o diário de viagens de Flint, que indica todo o histórico de seus tesouros. Durante o período que Bill passa na hospedaria, o pai de Jim morre. Agora, sua mãe não tem condições financeiras de manter a estalagem. Qual a melhor solução? Ir atrás do tesouro, é claro! E o senhor Trelawney, dono de terras local, irá financiar a expedição.

O navio, chamado Hispaniola, ganha uma tripulação muito semelhante, e ao mesmo tempo distinta, a da animação. Para começar temos Dr Livesey, o médico da família de Hawkins, que, no filme, conhecemos em outra versão, como o inteligente, porém atrapalhado Doutor Doppler. Senhor Arrow também está presente. Assim como no filme, ele é o braço direito do capitão do navio. Sim, capitão, e não capitã. Enquanto no desenho temos Amélia, uma astuta capitã, no livro temos o Capitão Smollett. Lembram-se que Stevenson não queria presença feminina, não se lembram?

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Jim Hawkins é escalado como auxiliar de cozinha do novo cozinheiro, John Silver. Todo o tempo que está a bordo, Jim se pergunta se não seria esse o pirata que Billy tanto temia. As duas versões dos personagens são carismáticas e criam um relacionamento de companheirismo com Hawkins. Silver traz consigo mais do que sua presença, ele coloca a bordo do Hispaniola toda sua tripulação de piratas que, sem um navio, almejam voltar ao mar.

Ah, e quanto ao Morph, ele… Bem, tristemente, não tem Morph. Mas há um papagaio falante! Devo dizer que foi muito difícil para uma fã, que leu ao clássico apenas depois de assistir à animação várias vezes, não imaginar John Silver como um ciborgue e seus homens como alienígenas. Ou o capitão como uma mulher com traços felinos velejando entre as estrelas.

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Voltando à história… O garoto começa a aprender tudo sobre a rotina de um navio enquanto os dias passam, e não demora muito para John e seus companheiros piratas começarem a se desentender, esse elemento também foi mantido na adaptação. Silver era contramestre no navio de Flint, o Walrus, e se vê no direito de reaver seu tesouro após a morte do capitão indo até a ilha. Seus bucaneiros, porém, tem cada vez menos paciência e desejam tomar aquele navio e o dinheiro de seus tripulantes.

Talvez John até concordaria com o motim se não fosse o fato de não saber onde o mapa do tesouro se encontra. O grande erro de Silver e seus homens foi não perceber que Hawkins escutou toda a conversa escondido em um barril de maçãs. No dia seguinte, a primeira coisa que Hawkins faz é contar tudo o que ouviu para Smollett e Trelawney. Eles decidem fingir que nada sabem de nada, enquanto o garoto tenta colher mais informações.

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Agora, já terminamos o primeiro terço do livro e devo dizer que é um começo empolgante! Mesmo sabendo como a trama provavelmente acabará, estou ansiosa para saber quais outros elementos da obra também foram adaptados pelo desenho Disney. Quando o grupo finalmente chega à ilha, boa parte da tripulação desembarca para explorá-la. O Doutor e o Capitão ficam a bordo do Hispaniola mas Jim, mesmo achando o local apavorante no início, vai à praia e logo se empolga ao conhecer paisagens e plantas nunca antes vistas.

O seu trabalho como espião, porém, nunca termina. Ele sorrateiramente acompanha as conversas de John Silver com outros homens, mas, ao notar que o motim havia de fato começado, o garoto corre para a mata fechada onde encontra Ben Gunn, um antigo membro da tripulação de Flint, que foi deixado na ilha durante três anos. Não se lembra de Ben na animação? Tente imaginá-lo como um robô com perda constante de memória. Sim, esse mesmo!

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O falante, e confuso, Ben não demora nada para começar a tagarelar sobre como está rico, e que fará de Jim um homem rico também. A verdade é que Gunn estava com Flint quando ele escondeu seu tesouro de seus homens, mesmo dos mais confiáveis. Após deixar a ilha, Ben se juntou a uma outra tripulação e os guiou até o lugar. Após procurarem e não encontrarem o tesouro por doze dias, acreditam que Ben os enganou e o abandonam lá à própria sorte. Jim promete ajudá-lo a voltar para a Inglaterra se o homem guiá-los, corretamente, até o tesouro.

Uma mudança no livro ocorre: o narrador deixa de ser Jim Hawkins por algumas páginas e passa a ser o Doutor Livesey. Durante tais páginas, descobrimos que, inicialmente, não houve motim algum. Na verdade, Livesey e Smollet decidem deixar o navio levando armas e provisões e todo o embate começa quando os dois desembarcam. Smollett e o Doutor se escondem em uma casa de madeira e logo Jim vai ao seu encontro, alegando ter encontrado alguém que pode guiá-los até o tesouro.

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“You’re either my ship’s cook-and then you were treated handsome-or Cap’n Silver, a common mutineer and pirate, and then you can go hang!”

Para a surpresa do grupo, Silver aparece na casa no dia seguinte, com seus homens, em uma tentativa de conseguir trégua e, claro, o mapa de Flint. A oferta é simples: eles entregam o mapa e têm a palavra de honra de Silver, agora capitão, que receberão uma parte do tesouro e irão sobreviver. Smollett, no entanto, recusa a oferta. Ele diz que são os piratas quem devem se entregar e se deixarem levar a Inglaterra, onde serão julgados.

É claro que os dois não chegam a acordo algum, o que faz com que uma batalha comece. A casa é usada como barricada, aumentando a vantagem de Jim e os outros. Após uma batalha, o Doutor decide deixar a casa e ir atrás de Gunn. Jim, sem avisar, também deixa o acampamento atrás da carocle – um tipo de embarcação pequena e arredondada –, que Ben havia construído. A ideia de Jim é tomar de volta o Hispanola.

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Surpreendentemente, ele consegue entrar no navio, enfrentar os homens que dele tomavam conta e tomá-lo para si. Porém, ao retornar ao lugar onde havia deixado Ben Gunn, ele é capturado e vê que Silver conseguiu invadir o lugar e prender seus amigos. Estamos na reta final do livro, e a cada página lida me pergunto se Jim e Silver terão a mesma ligação vista no filme, se o final será tão tocante quanto.

John Silver, então, começa um longo discurso, no qual explica que o Doutor e os outros se renderam, entregando o abrigo e o mapa de Flint para os piratas. No fim, faz uma oferta para o garoto se unir ao grupo. Hawkins fica insultado com tal oferta e logo revela que foi ele o delator do motim. Obviamente todos querem matá-lo, e é, então, que vemos um novo lado de Silver. Ele ordena que ninguém se aproxime de Jim, simplesmente porque gosta do rapaz

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“I’m cap’n here by ‘lection. I’m cap’n here because I’m the best man by a long sea-mile. You won’t fight, as gentlemen o’ fortune should; then, by thunder, you’ll obey, and you may lay to it! I like that boy, now; I never seen a better boy than that. He’s more a man than any pair of rats of you in this here house, and what I say is this: let me see him that’ll lay a hand on him–that’s what I say, and you may lay to it.”

A autoridade de um capitão pirata, porém, é limitada. Logo, os outros bucaneiros convocam uma espécie de conselho. Já sabendo que deve ser tirado do cargo em breve, John Silver jura lealdade a Jim. No dia seguinte, os piratas finalmente começam sua jornada em busca do tesouro de Flint. Eles seguem cada pista do mapa até se depararem com um esqueleto humano que, literalmente, apontava para o local onde o tesouro estava enterrado.

Para a surpresa de todos, o baú estava vazio. Todo aquele trabalho, anos em alto mar, por nada! Unanimemente, se voltam contra Silver e Jim. Afinal, o pirata havia os guiado por uma dura jornada sem recompensa e Jim… Bem, Jim tornou tudo mais difícil. Os dois estariam mortos se não fosse pelo Doutor e Ben, que surgem e atiram no grupo. Uma pequena reviravolta é revelada: Gunn havia encontrado o tesouro de Flint há meses e escondido-o em outra caverna.

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Rapidamente, eles carregaram o Hispaniola com as milhares de moedas de diversos países e zarparam, deixando para trás um pouco do tesouro não encontrado e três bucaneiros, que apesar de implorarem perdão eram um risco para a viagem de volta. Todos do grupo teriam direito a uma boa parte da fortuna, mas Silver é um pirata. Ele ainda tem aventuras para viver e decide roubar uma parte do dinheiro e fugir quando o navio atraca em um porto na América Espanhola. E assim termina nossa história!

Os personagens são escritos sem grande profundidade e se desenvolvem pouco, exatamente por Stevenson ter escolhido escrevê-los assim. E, por isso, prefiro o relacionamento entre John Silver e Jim Hawkins retratado na animação da Disney. O fato dos roteiristas terem optado por fazer o pai de Jim abandonar sua família quando ele ainda era uma criança fez toda a diferença para entendermos a ligação entre os personagens de Hawkins e Silver.

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A personalidade displicente de Jim e sua vontade deixar sua mãe orgulhosa, presentes na animação, também explicam de modo muito melhor o porquê das escolhas de Hawkins ao longo da jornada terem tanto peso. Apesar desses pontos, o livro é maravilhoso, e não à toa é considerado um clássico. Ele é uma grande aventura, ao melhor estilo sessão da tarde, que agrada a todas as idades com um gostinho de nostalgia. É também uma ótima pedida para o público infanto-juvenil que está entrando no mundo dos livros.

Os fãs de histórias piratas, como a franquia Piratas do Caribe ou o seriado Black Sails (2014-hoje), também irão gostar da obra, pois é uma leitura rápida e recheada de referências a piratas e elementos famosos como Blackbeard, Davy Jones e a cidade de Tortuga. Na próxima edição iremos deixar o alto mar e revisitar um conto que mal saiu dos cinemas – de novo – e já nos dá saudades. No mês que vem, seja nosso convidado e fique bem à vontade!

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Escrito por Caroline

Designer Gráfico, Disney freak, viciada em café, quer ser roteirista e princesa quando crescer. Têm mais livros do que deveria e leu mais vezes “Orgulho e Preconceito” do que têm coragem de admitir.